segunda-feira, 3 de agosto de 2009

utopias piratas

peter lamborn wilson: utopias piratas. corsários, mouros e renegados europeus. deriva editores. porto 2009.

ou dos piratas como sociedade proto-democrata. ou dos piratas como sociedade proto-socialista.

merquei o livro naquela visita de abril a braga. quem não lhe dê importância aos títulos que coloca às suas obras, que atenda aos meus critérios de selecçom de livros: há muitos que caem nas minhas mãos polo intuito dum bom encabeçamento. é o caso deste utopias piratas, tão sugerente.

e de resultados tão interessantes. peter lamborn tenta, neste ensaio, reconstruir a história da "república corsária do salé", que tivo vigência, nessa cidade marroquina por volta do sêculo xvii. mas para consegui-lo, encontra certas dificuldades: ai, as fontes!. se algo caracteriza as culturas piratas é o seu carácter iletrado, polo que o investigador só pode contar com a documentação fornecida por informantes alheios a essa cultura: visitantes europeus ou africanos, mas em todo o caso, inimigos. há de aprender a ler entre as linhas das propaganda anti-corsária, da hostilidade e o sensacionalismo, por ver de reconstruir uma possível realidade histórica.

muitas cousas interessantes nos oferece esta obra:
  • achega-nos a um mundo muito próximo (historicamente), de grande importância para comprendermos certas questões sociais, religiosas, etc, mas que sempre conhecemos do ponto de vista europeu -castelhano-. lembro ter estudado que cervantes estivera cativo em alger e a literatura castelhana da época -pensemos no romance bizantino- reflicte a actividade pirata como algo habitual, mas nunca encontrei tratado esse fenômeno nos livros de história que lim, e quando citado, foi reduzido a uma simples questão de delinquência. esta obra fornece um achegamento básico ao que significárom os enclaves de alger, túnes, tripoli na actividade corsária da época.
  • chama a atenção sobre um fenômeno também pouco atendido em outras obras: numa espanha obsessionada pola religião, não adoita falar-se dos renegados: aquelas pessoas que voluntariamente escolhem professar a religião mussulmana. aparece-nos salé, neste livrinho, como o refúgio de muitos andaluzes e castelhanos expulsos de espanha por não aceitar o crstianismo obrigatório.
  • fai-nos ver a importância política das sociedades piratas na altura, pois assim como o terror corsário podia chegar até as portas de irlanda ou islândia, também a diplomacia holandesa ou britânica chegava às costas africanas e punha em comunicação esses dous mundos defrontados.
  • frente a visão anarquista, proto-capitalista e individualista que oferece a imagem hegemónica do mundo da pirataria, defende a ideia comunitária e igualitária da mesma, um mundo em que o indivíduo não é ninguém mas pode chegar ao mais alto: ninguém porque um barco não se pilota sozinho e o mais importante porque o berce não é mirado para eleger aos dirigentes. uma comunidade com normas próprias, muitas vezes contrapostas às das comunidades de origem dos seus membros. autêntica resistência social.
  • e sobretudo, combinando estes elementos anteriores, mostra como certas correntes do islamismo, junto com a incorporação de contingentes de marinharia explotada às tripulações piratas favorecêrom o aparecimento duma república: uma sociedade igualitária, de funcionamento proto-democrático que foi, para o autor, um claro precedente das futuras sociedades democráticas europeias.

uma leitura muito enriquecedora porque me faz reflexionar tanto sobre a minha formação cultural como sobre o meu futuro labor como investigadora. ademais de divertir-me com as andanças piratonas de murad rais, por exemplo.

sábado, 25 de julho de 2009

playstation

cristina peri rossi: playstation. visor libros. madrid 2009.

o acto poético já tinha acontecido // o dia em que Marlyn Buck, do penal de Texas, / aprendeu espanhol / para traduzir Estado de exilio.

através de manolo, companheiro na escola e inédito escritor, cheguei a cristina peri rossi. não lera nada dela, poeta lésbica da provocação e o escândalo. eu nunca me sentim chamada por provocações e escândalos. mas manolo dixo que gostara muito deste playstation, e eu fui correndo a mercá-lo e lê-lo.

poesia feita diversom retranca desencanto, todo junto em cada um e todos os poemas. cristina peri rossi cria umha protagonista de nome cristina peri rossi, escritora, lesbiana, que vive em barcelona, que trata com editoras tradutores leitores, que vai à televisão apresentar os seus livros, que se vê leiloada em amazom.com em forma de camisola. e a cristina poeta utiliza as peripécias prosaicas, quotidinadas, da cristina personagem para pór em solfa o mundo todo que habita.
os poemas todos são de carácter narrativo. umha anedota qualquer: a leitura de poesia numa vila, a visita a um sex-shop, o atropelo com perna quebrada e na casa, as exigências da editora. mas todos os poemas, todos, acabam com um verso terramoto, um frasse umha palavra que revira a anedota e faz dela reflexom, dor, humor, soidade,ressistência.
quiçás porque eu agora começo a andar um pouco nesse mundo, divertiu-me inmensamente a brincadeira contínua da poeta com o mundo editorial, tam pouco lírico ele.

poesia para gozar.

mas também vai uma reflexom: cristina peri rossi cria uma personagem chamada cristina peri rossi que é lesbiana, poeta, que vive em barcelona, que trata com editoras tradutores leitores, que vai à televisão apresentar os seus livros, que se vê leiloada em amazom.com em forma de camisola. é legítimo que apresente a um prémio literário um texto tão transparente na sua autoria?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

vermelha apesar do amor

claudio rodríguez fer: ámote vermella. ilustrações de sara lamas. xerais. vigo 2009.

porque as histórias não fôrom escritas com tinta,
mas com o fio das costureiras

e a verdade na ponta duma agulha


há semanas que lim este poemário. mas, assim como doutros livros as palavras saem imediatas e doutros mais as palavras saem demoradas, deste simplesmente não saiam. não sabia eu como falar desta obra.

pois ela deixou um gosto acerbo. não gostei mas não sabia dizer por que. não gostei mas não queria dizê-lo, porque me podia o respecto à causa. custou-me aceitar que alguém que escreve sobre memória histórica e mulheres represaliadas pudera ter-me decepcionado.

ámote vermelha está estruturado em três partes: o coração da besta, na besta do coração e memória contra a morte. na primeira parte faz recordatório de mulheres vítimas da repressão durante a guerra civil e a ditadura; na segunda faz um elógio de várias mulheres artistas, algumas contemporâneas, e na terceira recolhe alguns poemas sobre o lugo antifeixista.

é a primeira parte a da decepção: enfia nela poemas adicados a mulheres antecedidos duma epígrafe informativa sobre as suas [pequenas] histórias. o caso é que a mim chegarom-me mais as epígrafes, as histórias espidas de paralelismos e anáforas, que os poemas. do livro anotei, no meu caderno, mais vidas e nome que versos. os poemas deitavam aroma a cânfora, a velho, a anos 70 e manifa e não, não acabo eu de gostar da poesia-ode da poesia-panfleto. quero que a minha mente trabalhe mais.

esta decepção veu-se compesanda por esse poema em haikus: vermelha com lobas. aí sim encontrei o que procurava.


segunda-feira, 29 de junho de 2009

droga no cola-cao

stieg larsson: los hombres que no amaban a las mujeres. ediciones destino. barcelona 2008.

foi proposto este livro para a última sessão do clube de leitura. lim-no em duas tardes. e tenho clara a sua definição: um chute de heroína. não podes evitar seguir lendo, ainda sendo sabedora de que o livro não che oferece nada especial. é drogha no cola-cao que procura despistar-te para che roubar o tempo. e ti deixas-te, porque o prazer que che vende é imediato.

e não tenho muito mais que dizer...

baleia em ferro

alfredo ferreiro: metal central. espiral maior. a corunha 2009.

...o paraíso / pesado e puro / da vida mineral.

há uma imagem da que gosto muito para representar o abandono, a ruína: a do esquelete de um barco varado numa praia, as costelas exibindo ao mundo a ausência de corpo, carne, alma. e essa imagem leva-me sempre a um conto, penso que de dieste, no que fala do seu encontro com umha baleia agonizante na praia e o cheiro a saim entrando-lhe polas ventas.
e não sei por que, mas são essas duas imagens as que me vinhérom à mente trás a leitura de metal central. essas e as da panificadora de vigo e a das conserveiras abandonadas aqui nas costas arousás...
porque todas as fábricas são um esquelete de costelas formigão, carne tijolo, pele de cal. porque todas elas são dragões a devorar currantes en oferenda, virgens com macaco e luvas que estragam o seu tempo em uma cerimónia de sacrifício. todo pola família, a hipoteca, a dignidade.
em metal central apresenta-se uma frágua como um ser vivo, necessitado de alimento, uma baleia cujo sangue é metal ardente e liquado e cujo alento pode ser sentido se uma escuita atentamente. sangue que nós alimentamos e que nos alimenta.
porque todas as fábricas são uma meiga chuchona que decanta metais, dá lei ao ferro, aquilata ouros com a energia humana que absorve. como bom vampiro a fábrica vive na noite e renasce sempre entre lume e calor, argêntea ave fénix. amores, espírito, ânimo, humus humano transformado em newtons contabilizáveis.
de todo isto fala metal central. de todo isto fala, nunca melhor dito, o ferreiro.



quarta-feira, 24 de junho de 2009

para comprendermos GB...

carlo m. cipolla: as leis fundamentais da estupidez humana. tradução de moisés barcia. rinoceronte editora. cangas 2009.

sempre e inevitavelmente cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos que há em circulação

era eu conhecedora da terceira lei fundamental da estupidez humana: uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa dano a outra pessoa ou grupo de pessoas sem obter ao mesmo tempo um benefício para si, ou mesmo obtendo uma perda. conhecia-a pola minha companheira carmen, e temo-la aplicado nas nossas titorias da escola para fazer ver ao nosso alunado a tontura de certos comportamentos.
mas não lera a fundamentação teórica de tal lei: a mim funcionava-me e ponto.

já tenho comentado por aqui que gosto muito da política tradutor/editora da rinoceronte. traz ao galego autores e obras interessantes, novidosas e muitas vezes desconhecidas, em trabalhos de cuidada tradução. e penso que a edição deste opúsculo (em realidade fragmento de um livro mais amplo: allegro ma non tropo) é intencionadamente destinada a esclarecer-nos feitos acontecidos na nossa sociedade nos últimos tempos.

pode que haja quem esté ainda a dar-lhe voltas aos resultados das últimas eleições na galiza, ou quem ande a flipar com as mais recentes acções de (des)governo do senhor feijoo, ou quem nom lhe acabe de ver explicação alguma a entidades como galicia bilingue...
pois bem: o senhor cipolla, já no ano 1988 predizeu e explicou todos estes fenômenos desde um ponto de vista científico.

só uma amostra: cumpre lembrar que, de acordo com a segunda lei, a fracção e de pessoas que votam são estúpidas, e as eleições são uma magnífica ocasião para causar prejuízos a todas as demais, sem obter nengum ganho na sua acção. estas pessoas cumprem o seu objectivo, contribuindo ao mantemento do nivel e de estúpidos entre as pessoas que estão no poder.

eu lim, rim, entendim.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

o médico dos piratas

carmen boullosa: el médico de los piratas. siruela. madrid 2002.

eles fôrom os legítimos donos do caribe


esta é uma das compras da feira do livro compostelana. compra baseada unicamente no título. o tema da pirataria há tempos que chama a minha atençom, pois tem muito a ver com esses temas de marginalidades e lugares outros que trabalho (trabalhei, trabalharei seriam tempos verbais mais acaidos) para o doutoramento.
o médico dos piratas é uma novela, ou um conto longo. nela, o escravo smecks narra como chegou ao caribe, como foi escravizado, como aprendeu a arte de remediar com dous dos seus amos e como acabou por unir-se à Grande Confraria dos Irmãos da Costa, sociedade de piratas que recorria as ilhas caribes a practicar a pilhagem.

lendo esta novelinha, aprendemos muito: comprendemos as origens da actividade pirata, as suas leis e as suas normas; sabemos como era a vida nos tempos em que o centro do mundo estava em todas essas ínsulas recém descobertas, recém expoliadas; aprendemos a diferenciar entre corsários, bucaneiros e piratas; é-nos mostrada como é a vida en escravatura e as tensões entre os diferentes grupos que luitavam polo domínio das terras americanas... todo isso e mais em um texto mui breve.

mas para mim, é isso mesmo o que faz que a história perda alento. é tam grandemente pedagógica, sume-se tanto na didáctica, na explicação, que nom acabamos de entrar na trama, nem de identificar-nos com as personagens. e penso que havia trama para alargá-la mais, para fazê-la passar de novela a romance: a sensação que ficou em mim foi a de ter lido um extracto de um texto muito mais amplo.

um exemplo é a narração da morte do pirata l'olonnais: esta produze-se da mesma maneira que ele leva sonhando dias, pesadelo trás pesadelo. é caçado polos índios dariém que o mutilam e torturam entanto ele descreve todas as tropelias que lhe vão fazendo, pois são as mesmas que tinha sonhado... esta história, impressioante, selvagem e tão fermosamente contada que devera titular a obra, merecia muito mais espaço narrativo, uma maior centralidade.

é dizer: fiquei com fame de mais aventuras piratonas...

seique a mesma autora tem outro romance pirateiro protagonizado por smecks: hei de provar a ver se me enche!



segunda-feira, 25 de maio de 2009

o (re)pouso das palavras


o falar não tem cancelas. e quantas vezes me tenho arrepentido de cousas que digem. e pensado fora de tempo esse "e por que não calarás!" e quem sabe quantas vezes mais me arrependerei no futuro...
mas de tempos em tempos aquilo que umha diz, sem meditá-lo muito, e sem pensar que haja por aí quem escuite, traz presentes inesperados e por isso muito mais adoçosos e deliciados.
e para quem pense que a internete desumaniza esta doida humanidade, que roia a inveja de sentir o afastado cheirinho dessas madalenas recém feitas que hoje viajárom da crunha à arousa só por umas palavras que encontrárom repouso neste blogue.

obrigada, dores.


quinta-feira, 14 de maio de 2009

construções

eduardo estévez: construcións. edicións positivas. compostela 2008.

merquei uma parelha / de canários
para fazer menos desolada / a ordem da casa.


quando eduardo estévez botou a andar o seu projecto enconstrución levei um susto de morte. eu andava a voltas com as minhas (de)construções e dei com um escritor que podia estar a fazer o mesmo que mim. nunca entrei, portanto, no seu blogue, para não ter a tentação de lhe roubar ideias e para não levar o desgosto de ele estar a trabalhar (publicamente e só por isso, primeiro) as mesmas ideias que mim.
e ainda houvo outro susto, porque quando des-levou o prémio por ter pré-colocado poemas do livro num blogue, eu já tinha enviado o meu a um certame, e também havia o assunto esse de que tinha os poemas aí na caixa do lado.
superados estes medos e sustos, decidim entrar nas construcións do edu (com estes antecedentes já há confiança) e ver se escrevemos o mesmo sob o (quase)mesmo título mas desde distintas escrivainhas.

pensei que sim no primeiro poema, mas não. eduardo estévez escreve sobre a outra face das construções, é dizer, sobre as pessoas que as habitam. escreve sobre a cidade pendurada, sobre os prédios calcando os corpos das pessoninhas que querem viver neles, das gentes que querem construir pontes que ficam, quase sempre, em rascunho.

há um subgênero literário muito em boga: a história alternativa ou ucronia. consiste em imaginar e contar como seria o mundo se algúm feito importante tiver acontecido doutra maneira: e se franco tivesse perdido a guerra, e se colombo tivesse naufragado nas canárias... pois justo o contrário são estas construções: a história daquelas pessoas que renunciam à possibilidade de mudar as suas vidas, de construir, as que ficam cá, na realidade, no dia a dia do café o trabalho o super o bus a monotonia entanto alguem, noutro lugar, é quem de dar o passo e tentar a utopia. ou quando menos imaginá-la.
e do que se trata é de construir relações, comunicação, pontes através de palavras. mas a maioria das pessoas protagonistas dos poemas não conseguem. roçam levemente a possibilidade da ucronia, da alternativa: dizer-lhe algo, sentar ao carão, cruzar a olhada... mas não chegam a mexer-se. o estatismo é a sua resposta. o voyeurismo, o seu consolo.
os dous canários do início são o eu de todos os poemas: sem identidade, sós, com nada no rosto, mortos de tristura, incapazes de espantar a desolação, engaiolados numa vida urbana e quotidiana que os mantém numha borbulha de soidade e incomunicação. e para intensificar tal soidade, a ausência do eu poético, do enunciante em primeira pessoa. não, melhor uma terceira, despersonalizada, ausente, distante, irónicamente narrativa e demiúrgica. tal é a soidade tal a desolação, que as personagens continuam, indiferentes, a rotina do queijo e o coitelo porque são sabedoras que ninguém falará delas enquanto morram.

e passaram os anos

um dia escuitou
na rádio uma canção
que a levou de regresso
à infância

era um velho
blues mas lembrou-lhe
a imagem da mãe
e a casa da aldeia

detrás vinhêrom
outras

por primeira vez
desde a partida decatou-se
de que não voltara pensar
em tudo isso com
carinho


mudou de emissora


um camiom detinha-se
diante do bar.

colocando o ramo: o autor a falar da obra:



quarta-feira, 6 de maio de 2009

o pouso que nos precede

dores tembrás: o pouso do fume. espiral maior. a corunha 2009.

desde então / o coração / coma o marmelo / balorecido.

nom sabia de dores tembrás. mas resulta que temos uma amiga comum e falou-me dela. e o outro dia vim o seu livro e merquei-no. e hoje colhim-no do lote dos não-lidos (o lote cresce a cada dia e exponencialmente, bem vedes que leio pouco nestes tempos de abúlia primaveral); enfim, colhim-no por botar-lhe um olho e enredei como em silveira invasora.
porque este é o livro de antes do meu, o pouso que permite que eu escreva o que escrevo. é o livro de quem tem um passado, de quem relembra a neinice para poder deixá-la atrás e construir um futuro.
nunca acreditei em gerações ou quando menos em pertencer a algumha. mas quando leio textos como o do pouso acredito um pouco, um pouquichinho, porque vejo que há toda umha geração, amplo conceito, que está a ser a testemunha da morte, do funeral, do enterramento de todo um sistema cultural e que exerce disso, de testemunha da apocalipse: porque se carlos negro faz o requiem em cultivos transgênicos do rural e os seus valores, ubi sunt, neste pouso de fume, dores resgata a sua infancia para lhe celebrar um cerimonial de despedida.
mas a morte vai parelha à vida, são as duas face e envés da mesma moeda. só do soterrado, do estercado, nasce rebento de nova vida: e esse pouso de lareira afumada é o basamento em que pode fazer firme esta geração para não se sentir perdida:

pequena orfa
afeita à friagem
ortiga-me
cubre-me de cinsa
que saberei corresponder-te.

surpreendeu-me encontrar motivos comuns entre o que escreveu dores e aquilo que tenho escrito (a casa velha, a couça, as estrugas, os sinais dos antergos) e também com aquilo que ando a escrever (a costura, as lavandeiras, o sino das mulheres). e como petisco dum livro mui recomendável, um fragmento que bem poderia ser para o meu avó:

na casa natal
água e couça

acompanhavam a tarefa
de debulhar as horas
a ritmo de gharlopa
as falcas

deixavam-se fazer.

terça-feira, 5 de maio de 2009

enrugas

paco roca: arrugas. astiberri ediciones. bilbo 2009.

como tinha lido outra obra de paco roca da que gostei muito, el faro, o outro dia merquei esta às cegas, sem saber de que ia. foi na feira do livro, em compostela e, como a tarde ia calorosa, decidim refrescar-me bebendo e lendo no rua nova. de todos os livros que merquei, colhim o arrugas, porque era a leitura fácil, já se sabe, os quadrinhos.
e lim, e lim, e lim e quase me saltitam as báguas dos olhos para o nestea porque buff, que duro mas que autêntico. sim que há imagens que chegam mais que milheiros de palavras: eu percebim melhor aquilo que é o alzheimer nos desenhos de faces sem rosto que pintou roca que em qualquer sisuda explicação que me fosse dada polo mais importante especialista.
arrugas conta a história de emilio, um velhote que é internado pola sua família numa residência por nom poder ser atendido na casa correctamente. tem alzheimer ou demência. ou as duas cousas, tanto tem. arrugas é uma descarnada descrição da morte em vida das pessoas senis, do infantilismo com que são tratadas por instituições e famílias, do horror que lhe supõe a uma pessoa ver decair as suas capacidades. mas também é uma tenra descrição da amizade apreendida, do egoísmo evoluido em solidariedade, da soidade que desemboca em companhia, da luita contra os destragos da velhez.
já na primeira cena eu puidem ponher-me nom lugar da minha avó, que morreu não há muito despistada, desorientada e raivosa com esse seu despiste e essa sua desorientação. percebia daquela a sua raiva. entendo-a melhor agora.

para isso serve a literatura.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

pioneiras

josefina r. aldecoa: historia de una maestra. anagrama. barcelona 1996.

que dizem na taberna que a senhora quer fazer dos meninos, meninas, para que perdam a força e não trabalhem em cousas de homens.

acabei de ler o livro na noite e maldormim. ficou na goela o regosto amargo de reconhecer uma pioneira, sim, mas também o de não ter-lhe compensado, eu, nós, o sacrifício.
historia de una maestra é um romance, de tom autobiográfico, no que gabriela narra só treze anos da sua vida: os seus começos como mestra de primária. mas os começos como mestra no ano 23 nom tenhem nada que ver cos começos como mestra no ano 99. a guiné ainda era colónia e ainda havia que educar os meninos pretos na arte do castelhano. as escolas unitárias nem livros tinham, e muitas vezes nem alunos...
gabriela vai contando as sua vida nom linealmente mas em sequências do corte impressionista: cada escola, cada destino, cada aldeia ficam retratadas com três, quatro anedotas que determinam as vivências da mestra em cada lugar. ao longo da narrativa vemo-la avançar nas dificuldades do seu labor pedagógico, vemo-la namorar e casar, vemo-la gravidar e nascer umha criança, vemo-la duvidar das suas convições feministas, políticas, e vemos, sobretodo, como germola um sonho, como cresce abrigado na república das educação libertadora e como, porfim, rebenta em pesadelo em julho do 36.
como mostra do carácter sequencial e anedotário do romance: a união, o fio subtil e tenso que enlaça a primeira cena (um casamento burguês em ovieu presenciado por uma gabriela recém diplomada) e a final (a foto do general franco na capa do jornal).
uma leitura para recuperar a confiança na educação como instrumento para mudar o mundo mas também uma leitura para comprovar como a história repete sempre a sua face mais dolorosa.

sexta-feira, 13 de março de 2009

o jardim dourado

gustavo martín garzo: el jardín dorado. random house mondadori/lumen. barcelona 2008.

as pessoas não podem viver com a verdade, mas também não podem viver sem ela. de afastarem-na da sua beira, gela-se-lhes o coração; de achegarem-na de mais, enchem-se de lapas. para isso existem as histórias, os contos: para termos a verdade perto e oculta a um tempo.

Numa recente postagem, falando do labor poético, o mário dos escravos usou uma imagem da que gostei muito: a poesia é como um peixe que atrapas que elevas que escorrega que foge mas que deixa nas mãos o cheiro a mar o saibo a salitre. igualinho que este livro. impossível explicá-lo, debulhá-lo, fazer umha resenha dele que revele o seu segredo, porque este desvela-se sem ser desvelado, acovilha-se mostrando-nos o esconderijo: literatura com maiúsculas.

o argumento ao que recorre martín garzo é simples: ariadne conta a outra versão, a sua, de todo o acontecido com o seu irmão e o famoso labirinto. através da narração, da arte de contar, desenguedelha os fios e vai dando forma ao embrulho que vém sendo a outra face do mito, da lenda. nesta outra face o monstro é um triste menino-touro, de nome bruno, que chega a um mundo cujos habitantes não estão preparados para tratar com o diferente. o labirinto é o resultado do ilimitado amor paterno, que quer proteger a sua descendência das dores do mundo. e a palavra é simplesmente a única arma das pessoas para manter-se firmes perante a morte, para suportar os seus envides.

o delicioso do romance é a transformação de ariadne numa sherezade sem sultão. conta e conta e conta, repete-se e repete-se, vai de digresão em digresão, mas nunca perde o fio do novelo e com ele nos mantém atrapadas na leitura. essa voz tem tal capacidade de fascinação que chega a ser perigosa: faz que abandonemos as naves e prefiramos ser apresadas na sua ilha fabuladora. uma personagem, nómada, faz o contraponto da contadora: é só palavra, só cabeça (está mutilado e não tem corpo), e adica-se a percorrer as ilhas todas, as terras incógnitas ,na procura de histórias que fabular e vender. ele foi que inventou o mito, ele é o enganador de palavras. ele escuita tudo quanto bruno, ariadne, sombra, eco e alma tenham que contar, para poder seguir o roteiro da fábula, para continuar vivo embora sem corpo. como homero.

centos de cousas poderia destacar da leitura: o aproveitamento e reversão dos mitos greco-latinos, como esse bruno feito sereio que faz as doncelas suplicarem ser atadas para não sucumbir aos seus mugidos, ou essas asas icarianas que percorrem o mediterrâneo de porto em porto; ou, de volta a mitos modernos, esse frankenstein anacrónico que é artífice, tentando uma vez e outra reproduzir a vida nos seus bonecos autómatas... gosto da ideia do jardim com ponte entre o mundo dos vivos e o dos mortos, o mundo dos sonhos e o dos despertos, com esses ovos que sombra, irmã de ariadne e bruno, traz dos sonhos para criar gansos etéreos...

insisto, literatura com maiúsculas, bem difícil de explicar.

p.d.: e a casualidade faz que lera simultaneamente, sem sabê-lo previamente, quer dizer sem intenção, duas obras contemporâneas que pretendem um re-visão do mito do labirinto. cruzamentos que enriquecem o caldo da leitura!


quinta-feira, 12 de março de 2009

a sombra caçadora

suso de toro: a sombra cazadora. edicions xerais. vigo 1994.

A obra tem quinze anos e está feita toda uma adolescente. mas não avelhenta. tem um bom ler. isso já é uma avantagem.
a dor é que nom perde actualidade tam-pouco. é dor porque reflicte uma contemporaneidade dura. dura sobre todo com a infância. mas vaiamos por partes...

a sombra caçadora, de suso de toro, narra a história de duas persoas: clara e o menino sem nome. são irmãos e vivem com o pãe num casarão que eu imaginei desses indianos da marinha luguesa. não podem sair das suas terras e levam uma vida austera, quase de subsistência, isolados do mundo exterior. mas uma amiaça planeia sobre a família, os acontecimentos sucedem-se e os irmãos vem-se, de súbito, órfãos, sozinhos e perdidos no mundo exterior, um mundo tecnológico dominado pola imagem e os ecrans televisivos. a voz do grão irmão ecoa por toda a parte. como em todos os grandes filmes com heróis e mitos, clara e no menino sem nome são em realidade os elegidos, os destinados para acabar com uma maldição.

o texto mistura de maneira efectiva os mitos grecolatinos (grande importância simbólica têm o minotauro, ariadne e o seu labirinto) com referências da música popular moderna e da literatura e o cinema de ciência-ficção (ppara mim são evidentes as relações com o 1984 de george orwell e com o poltergeist de tobe hooper). o nome do menino sem nome, só sabido no fim, é essencial para percebermos todas estas referências.
nas técnicas narrativas ou na construção das personagens, algum erro: por exemplo, renge muito a incrível capacidade lingüística das vozes narradoras, quando elas mesmas contam que vivêrom isoladas do mundo e sem contacto com outra pessoa que nom fosse seu pãe. e quando se incorporam a esse mundo afastado e alheio, porvezes evidenciam a sua inadaptação e imcomprensão, mas por outras semelha esquecer o autor que são recém-chegadas.

o melhor: a reflexão provocada. impressiona imaginar essa bandada de meninos vadios abandonados por uns pães e mães abandonados eles mesmos ao poder magnético do televisor, do écram, seja do tipo que for. algumas que andamos no mundo da educação não podemos evitar pensar em casos que conhecemos...

segunda-feira, 9 de março de 2009

feminismo para... adolescentes?

gemma lienas: el diario violeta de carlota. el aleph editores. barcelona 2007.

não suporto a literatura com moralina; essa literatura para adolescentes politicamente correcta, na que tudo é cor-de-verde, porque se o colocas rosa podes ofender mulheres, se azul homens... mas esta não é uma obra politicamente correcta. não. é uma obra abertamente beligerante, o qual considero diferente. há uma tese inicial que a autora defende sem reviravoltas nem engados: ainda é necessário o feminismo.
carlota é uma adolescente à que uma das avós oferece como presente de aniversário um diário. um diário nestes tempos de messengers e internetes! e por cima cor-de-rosa!! a outra avó, para compensar a raiva, oferece outro presente mais interessante: uns óculos lilás. metaforicamente lilás. propõe a carlota que observe a realidade desde uns lentes feministas e comprove se a desigualdade de gênero existe ou já foi superada. carlota coloca os óculos e descobre a subtilidade do sexismo e a discriminação.
no entorno de carlota concentra a autora contextos variados e, portanto, formas diversas de discriminação. através de família, vizinhança, amizades, escola... achega-nos anedotas e situações quotidiana nas que carlota logra arrincar a carauta ao sexismo, para mostrar-nos a sua verdadeira face. ademais, através da avó progre/guia vai fazendo um achegamento singelo -que não simples- á terminologia básica do feminismo.
encontro alguma cousa que chia no texto, como por exemplo as cartas escritas por meninas doutras partes do mundo, que resultam artificiais; ou a concentração anedotária: tudo acontece em pouco tempo e num espaço reduzido, como se os valores sexistas se tivessem aliado para acosar carlota. mas estes defectos são compensados pola fluidez da leitura e a filosofia que trasmite.
enfim, um texto divulgativo dirigido a persoas adolescentes: porque muitas delas acreditam que a igualdade já foi conquistada, que as feministas o são por feias, que o da linguagem sexista é cousa de tiquis-miquis, que já foram superados os tópicos sobre o beleza e inteligência, que a luita feminista e só cousa das mulheres, que... e por suposto desconhecem termos como alienação ou patriarcado, e pensam que feminismo é o contrário do machismo, e ignoram o que acontece noutros lugares do mundo, e...

...só as persoas adolescentes?


terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

o inimigo

serge bloch e davide cali: el enemigo. ediciones sm. madrid 2008.

Sempre gostei especialmente dumha obra tetral de arrabal: pic-nic. nela o autor dá a ver como nom há nada melhor para evidenciar o sem-sentido dos conflitos armados e o afám belicista das pátrias várias que levar essa guerra ao absurdo. em pic-nic, umha parelha decide ir passar o domingo com o seu filho. isto seria de todo normal, de nom ser porque o filho lá está, no frente de combate, a defender umha trincheira.
este album ilustrado recordou-me a obra arrabaliana. a base do argumento é a mesma, só que desaparecem as personagens comparsa, secundárias para ser reduzidas a só umha: o soldado só no seu fojo.
a eliminaçom de personagens beneficia a história porque faz mais patente a soidade na batalha. teoricamente o soldado forma parte dum colectivo, o nosso exército, mas esse nosso exército nunca aparece: os camaradas, os chefes, os companehiros,os colegas, estám ausentes em todo momento. ele está sozinho.
sozinho se nom for polo inimigo presente do outro lado da página mas nunca visível. terrorífico. assassino. igual que ele.
e o soldado lucubra sobre a maldade do inimigo, e cresce o medo no seu interior, e se o inimigo ataca? é monstroso! e se o inimigo quer acabar com a rotina matando-o? é malvado! também pensa na possibilidade de fazer a paz com o inimigo. mas isso é impossível! o inimigo só quer a súa aniquilaçom!
nestes pensamentos passa-se o tempo. até o soldado tomar umha decisom...

o álbume é toda umha exemplificaçom de como é construída a imagem do outro como um perigo, como é alimentado o medo, e a quem prejudica toda esta construçom: ao soldadinho só sumido numha trincheira de malevosos espelhismos.

e as ilustraçons, perfectas. combinam-se diversas técnicas de maneira a diferenciar o espaço exterior [um campo de batalha imaculado, baldeiro] e o interior [a trincheira habitada] e faz que apareçam como parte física do livro, do papel.

na faixa de gaza...

Joe Sacco: Palestina. En la franja de Gaza. planeta dagostini. barcelona 2007.

as pedras dam-lhe umha cor de derrota às heroicidades de ramala.

as leituras neste blogue nom tenhem continuidade cronológica exacta. nom passei de miguel anxo murado directamente a joe sacco. nom ando monográfica palestiniana. entre um e outro ficam toda umha série de leituras lentas e inacabadas que irám aparecendo por aqui [aguardo].

palestina pertence ao gênero da banda desenhada. e ao gênero do documentário. e ao gênero do jornalístico. a todos eles.
joe sacco faz de sim mesmo umha personagem da história. pois palestina nom é outra cousa que a crónica da viagem de um jornalista/autor de quadrinhos à caça da imagem impactante, da história perfecta e sanguinolenta na catástrofe de gaza. coloca-se a sim mesmo como o caçador de enquadramentos, o pescador de báguas, o predador de desgraças. é para mim este um dos acertos do livro, pois essa distância aparente do protagonista-narrador, esse humor cínico ou cinismo humorístico, nom saberia dizer, enfatizam o horror que debulham textos e imagens.
o livro está dividido em nove capítulos que se correspondem com outros tantos volumes de banda desenhada que o autor escreveu depois de viver em palestina durante dous meses, lá pola primeira intifada. em cada um desses capítulos podemos escuitar e ver os testemunhos de toda caste de pessoas afectadas polo conflito palestino. bem é certo que practicamente todas as testemunhas som palestinianas, mas nom por isso o autor deixa de dar eco a vozes israelianas.
isto é para mim o melhor. o autor deixa patente a sua obsessom por escuitar a todas as vítimas: a velha que viveu a expulsom do 48, os presos sem julgamento de ansar III, os feridos humilhados de caminho ao hospital, os torturados em interrogatórios oficialmente inexistentes, as famílias dos mortos, a mocidade protagonista da intifada, os labregos que vem arrincados as oliveiras, e sobretodo, para mim, as feministas, as pessoas minusválidas...
ao começo da leitura nom gostei dos desenhos: semelhavam agressivos, tudo branco e preto, faces muito marcadas, primeiros planos demasiado achegados; mas com o avançar da leitura, dei em ver que é esse estilo de desenho que condiz com aquilo que a história narra. a putrefacta lameira do campo de refugiados de jabaliyah nom pode estar melhor reflectida que nesses traços grisonhos. até parece que fede e que som os nossos pés os que afundem na lama.
e na introduçom à ediçom, o admirado edward said a dizer que a leitura de quadrinhos é fácil. nom neste caso. livro denso, enorme. recargado de texto, de desenho, de denúncia, de dignidade.

o pior, o de sempre: fala palestina da primeira intifada, lá polos 87-90. e a reportagem fotográfica do elpaís de há nada mostra que o tempo nom passa para o povo palestino.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

ano novo em palestina

miguel anxo murado: fin de século en palestina. editorial galaxia. vigo 2008.

polas bilhas de gaza city corre a água salgada do mar.

venho de ler a crónica de hoje do correspondente en palestina do elpaís. e nada era novo. todo era repetido, como umha salmódia, um desses cánticos religiosos que inculcam a fé a força de repeti-la. o que conta o jornalista hoje vem sendo um eco de todo o que conta miguel anxo murado na sua crónica. eis a actualidade da leitura dumha obra que narra factos acontecidos há quase dez anos. como bem diz o autor, palestina tem um problema com as coordenadas espaço-temporáis e semelha que desde há 200o anos repite cada nada a mesma história de dor e violência.
nom sei se murado contava com que a actualidade internacional ponheria no topo de leituras recomendadas a sua obra. tenho para mim que era consciente de que en qualquer momento um novo estourido violento a faria interessante. porque combinando a leitura do seu livro com as crónicas diárias nos jornais, acaba umha por ter umha visom tristemente clara da situaçom no oriente próximo. e da dificuldade dumha saída pacífica para o conflicto. ao final, fica umha desarmada. sem alento. sem vontade para pensar em positivo.
miguel anxo murado fai-nos chegar, através da sua narrativa, a visom que ele tem do conflito após ter vivido em jerusalém por cinco anos, dous como trabalhador da onu, três como jornalista. entanto crónica que é, estamos perante a olhada subjectiva dumha pessoa. carga com ela os seus conhecimentos, prejuíços, experiências e aprendizagens, conformando apartir deles um mosaico que bem pode ser a palestina actual, ou nom.
a crónica combina, penso que adequadamente, várias tipologias textuais [descriçom, narrativa histórica, argumentaçom...] que fam a leitura entretida e rápida. podemos encontrar, acarom de trechos duros, violentos, outros trechos de carácter muito humorístico. o autor tenciona reflectir esse ambiente estranho dos lugares onde a guerra acontece: umha mistura de vida normal e quotidiana com violências extraordinárias que chega a resultar ridícula, como o feito de um comércio no bairro mais castigado polas bombas-suicidas leve por nome tnt. mas provavelmente a vida nos lugares em guerra seja assim, umha bomba bang e dez minutos depois crianças a brincar entre os cascalhos.
gostei muito dos capítulos dedicados a explicar como é a cidade de jerusalém, os seus bairros diferentes, as suas religions, os seus costumes; e muito mais da crónica dessa viagem a gaza para entrevistar aos responsáveis de hamas e da jihad islámica.
quedo com umha reflexom que fai o autor, que comparto e que, por isso mesmo, penso que faz difícil dar soluçom ao conflito:

a violência é como umha religiom, um estado mental, e os seus crentes atribuem-lhe o poder de mudar o mundo. nisto nom eram mui diferentes os solitários mártires de hamas, raparigos tímidos que se faziam voar em autobuses, e os militares que os combatiam: todos acreditavam nesse poder mágico da violência para mudar a realidade.

e o mais duro para umha pessoa sensível, ver que é quem de afazer-se ao horror: quando a explosom de umha nova bomba me fez acordar o dia dos inocentes, simplesmente mudei de posiçom e seguim a dormir, como se se tratase dalgumha inocentada de deus, dalgum dos três deuses de jerusalém... para isso serve a crónica de miguel anxo murado, para que nom nos afagamos à indiferença. um arremesso de pedra escrita nas nossas consciências.