terça-feira, 23 de setembro de 2008

assim nascem as baleias

anxos sumai: así nacen as baleas. editorial galaxia. vigo 2007.

nom sei se nascem assim... a leitura deste livro fijo-se-me rápida. lê-se bem e seguidinho. mas deixou em mim um regosto amargoso. porque nom acredito na personagem de ramom.
mas comecemos por onde há de começar-se.
há umha protagonista feminina que volve à casa depois de anos de ausência. a mai está a morrer e a família pretende que se faga cargo da empresa entanto herdeira. mas a prota tem umha vida própria, construída por ela mesmas que nom tenciona abandonar. faz a viagem de volta ao fogar, filha pródiga e do re-encontro nasce a memória do acontecido no passado. e umha figura que todo o ocupa com a sua ausência: o irmao ramom.
as relaçons da moça com a mai som muito conflitivas, e as relaçons com a tia, e as relaçons com a velha aia. a mai virou louca depois de ser abandoada polo seu homem, homem de mar que a protagonista nunca conhece.
o romance desenvolve-se na luita da protagonista por seguir o seu caminho ou ceder perante a família, como cedêrom todos os membros da mesma: cadaquém exerceu na vida o frustrante papel para o qual foi criado, sendo ela a única, a última que pode livertar-se de tal fado.
aquele regosto amargo, como indiquei, é o do irmao ramom. suponho que é muito difícil espelhar umha personagem com retraso mental, e nisso é nom que para mim falha o romance: nom acabo de ver como verossímil a construçom desta personagem. tem um discurso demasiado poético e elaborado para só saber classificar parafusos numha ferretaria. nom acabei de entrar nela. por muitas páginas pensei que a doença era mental: umha esquizofrênia, umha bipolaridade, mas nom umha falha da inteligência em si. por como se expressa, nom. está visto que certo tipo de personagens custam-me.

da infámia

j.m. coetzee: deshonra. rinoceronte editora. cangas 2008. traduçom de moisés barcia.

que saberám os cans da honra e da desonra?

a colecçom contemporânea da rinoceronte dá para muito.
lim algo de coetzee em castelhano e gostei dele. quando vim este desronra traduzido ao galego nom duvidei em mercá-lo. agora venho de lê-lo.
david laurie é o protagonista do romance. é professor de literatura numha universidade sudafricana. o david tem um encontro sexual com umha aluna, do que nom sai bem parado: é denunciado por ela e obrigado a renunciar ao seu posto docente. decide refugiar-se no campo, na granja que dirige a sua filha. a cousa semelha ir bem: quando o homem semelha encarreirar um caminho de redençom, algo acontece que faz desaparecer a terra ao seu arredor e deixar só valdeiro.
as perspectivas que introduz coetzee nas suas obras som do mais interessante. neste caso, um homem é acusado de cometer um delito sexual: abusou do seu poder para deitar-se cumha aluna. ele mesmo, em primeira pessoa, descreve os encontros. ele mesmo dá conta de que resultam quando menos, bruscos e violentos: a aluna cede mas nom goza. ele mesmo admite que nom sente arrepentimento. mas admite o castigo: o aviltamento pessoal, a perda pública da honra. eu, entanto leitora, nom acabo por simpatizar com o protagonista.
o romance semelha caminhar cara a recuperaçom dessa honra perdida, mas nom. vemos como o protagonista nom recupera a dignidade mas tem de sofrer um desdouro muito mais fundo que aquele público: nom poder ajudar a umha filha aviltada por outros homens, delinqüentes como ele. nom há pior infámia que a interior.
e a sudáfrica. a sudáfrica que descreve coetzee é umha sudáfrica post-apartheid dura e violenta. o apartheid nom aparece quase citado, mas é um sombra que todo o cobre e que nom deixa luzir o sol. e assim como os negros estám obrigados a esquecer o passado de desprezo para refazer o país, a filha de david sinte-se na obriga de ser castigada com a desonra por ser parte da elite branca.
em realidade, quem se desonra é toda umha sociedade.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

nove

maria lado: nove. edicións fervenza. a estrada 2008.

este lugar mordido.

nove é novembro, umha ilha, umha baleia, um lugar para a dor. o poemario começa com um assim dói novembro a ressumir -ressumar- todo o texto. coitelas como paisagens, agulhas, mordeduras, peles mancadas, crebas, formam o léxico e o leit-motiv do discurso.
nove é um poemário do sofrimento. nom pediu de mim que percebesse, que entendesse qualquer cousa em toda a sua claridade, mas que sentisse. que me identificasse com a dor.
eu entendo a poesia como umha procura da abstracçom, perfectamente explicada naquele poeminha de pessoa e o fingidor que chega a fingir aquilo que sente. é abstracçom porque o que procuras é fazer comum, compreensível por qualquer, aquilo que é só subjectividade. colectivizas o íntimo, o pessoal.
e isso consegue marialado: colectivizar a dor.
e através do mar, esse animal mancado.

quarto de outono

maria do cebreiro: quarto de outono. sotelo blanco edicións 2008.

quedas sem chave / à porta do poema.

lim-nos seguidos e opostos, porque se numha maria sentim que me pedia sentir com esta maria pensei que me pedia pensar. o mais provável é que umha e outra se misturassem e que pidam sentir pensando ou pensar sentindo, mas enfim.
o poemário propom um jogo: este livro, ao seu jeito, tenta provar que nom deveria haver propriedade no uso da palavra. por iso, quase todas as citaçons que som incluídas apresentam desvios significativos com respecto ao original -por isso eu mudo ortografias também. e assim é, no percorrido da leitura, resultam-nos reconhecíveis alguns versos, mas onde como?, outros sintagmas, certas expressons. e pensamos. som ou nom som. que me estou a perder, que estou a ganhar. sinto-me algo estúpida, por medo a perder sentidos e nom perceber.
e só ao final a autora esclarece a regra do jogo: arrimar a cabeça à caixa do tórax, fechar os olhos, escuitar.
e volves ler. e percebes.

sábado, 13 de setembro de 2008

o moinheiro ouveador

paasilinna, arto: o muiñeiro ouveador. rinoceronte editora. cangas 2007. traduçom de tomás gonzález ahola.

huttunen olhava-a sem descanso, estava tam apaixonado que até lhe doia. resultava-lhe difícil manter-se sentado. amava-a tanto que lhe apetecia correr arredor da fogueira.

depois dos raposos aforcados seguim meio finesa e entrei-lhe ao moinheiro ouveador. nom guardei nengumha frasse especial deste romance. sim a história. gunnar -kunnari para a vizinhança- tem um moínho e gosta de ouvear polas noites. isso é-lhe suficiente a paasilina para desenvolver, muito eficazmente, a narraçom da intolerância.
os vizinhos da aldeia decidem que gunnar virou louco, pois a ver a quem se ocorre que se poda ouvear assim porque sim, e fam o possível por interná-lo em um hospital psiquiátrico -em realidade um manicómio, com toda a conotaçom negativa que lhe podemos dar à palavra-. kunnari só recebe a ajuda de sanelma, a trabalhadora do sindicato agrário que o namora, o polícia portimo, o carteiro piittisjarvi e um agente imobiliário estafador.
em cada um dos encontros que o protagonista tem com todas aquelas pessoas que o querem encerrar, este mostra tanta sanidade mental como os seus antagonistas, ou bem ao invês, as personagens vam mostrando como todos e cada umha somos um pouco loucas, ou quando menos, fazemos centos de cousas inexplicáveis a olhos das normas sociais. isto nom impede a persecuçom de kunnari por parte das forças vivas da comunidade.
gunnar serve-lhe ao narrador para ensinar-nos até que ponto pode chegar a crueldade das pessoas: o moinheiro pensava que se ele tovesse um doloroso tumor no peito seguro que o deixariam viver em paz, seria compadecido, seria ajudado e deixariam-lhe viver com a sua doença entre as demais pessoas. mas como a sua mente nom era como a dos demais, era marginado e apartado do resto dos seres humanos.
o protagonista tem que agachar-se nas montanhas, construindo refúgios que se volvem fogares com as suas manhas carpinterias. refúgios sucessivamente localizados e arrassados polos seus acosadores. dá-se no romance um claro contraste entre o protagonista-louco-criador e os antagonistas-sisudos-destrutores. os espaços também som significativos: o manicómio, a sua sujidade e escuridade, contrastam com a claridade dos esconderijos de gunnar.
ainda que a base da trama seja semelhante à do bosque dos raposos aforcados -protagonista que deve fugir e refugiar-se na montanha lapona-, a reflexom que desperta este romance é totalmente diferente. naquele governava a ironia e a retranca. neste, ainda que estám presentes, como nos episódios do agente imobiliário que se faz o doido ou o do carteiro e o alambique clandestino, desaparecem como elementos destacáveis. o que resta é a desesperança: se no bosque dos raposos, o refúgio faz emerger os bons sentimentos dos criminais, neste caso um simple gosto polo ouveo faz emerger os instintos animais daqueles que, supostamente, som os civilizados.


e o final, aberto e ambíguo, nom elimina o pouso de desacougo.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

um bosque diferente

paasilinna, arto: o bosque dos raposos aforcados. rinoceronte editora. cangas 2008. traduçom de tomás gonzález ahola.

um exilado sempre bota de menos o seu país, ainda que seja um delinqüente.

a literatura está cheínha de bosques, tenebrosos, fantásticos, misteriosos, mágicos. o bosque dos raposos aforcados é um bosque com personagens que fogem do tópico. ou, simplesmente, de personagens que fogem.
três som os protagonistas do romance: oiva juntunen, delinqüente profissional que precisa agachar-se para nom compartir o botim dum atraco com os seus cúmplices; o comandante remes, militar borrachuças que solicita umha excedência no trabalho para embebedar-se a gosto; e naska mosnikoff, umha velhinha de 9o anos que quer evitar que os serviços sociais a ingressem em um asilo.
e os três protagonistas, bem diversos, coincidem, casualidades da literatura, numha cabana no meio da tundra lapona, onde convivem um inverno compartindo o bosque com cincocentos, um raposinho meio salvegem meio doméstico.
a obra está dividida em três partes, que se correspondem com a apresentaçom de cada umha das três personagens e o seu encontro na tundra. e cada personagem serve-lhe ao autor para atacar, com tanto humor como contundência, algumha das instituiçons da civilizaçom ocidental: o sistema penal/econômico com oiva, o sistema militar, com remes; e o sistema de benestar social, com naska.
a ironia erige-se em grande protagonista do romance. o narrador recorre ao estilo indirecto livre para mostrar-nos as personagens, das que conhecemos cada um dos seus pensamentos e opinions. som as suas opinions, sobretodo, as que marcam o romance: ás veces pasaba algunhas tempadas no cárcere solucionando os diferentes puntos de vista que sobre a legalidade tiñan el e mais as autoridades. assím, com este tomzinho irónico-festeiro, decorre toda a leitura.
o cinismo assoma por cada um dos poros de oiva: a sua viagem a florida, vista como um paraíso habitado só por assassinos, estafadores e ladrons, é um bom começo, mas a sua teoria sobre a delinqüência, comparada com a protecçom ambiental dos alces, é impressionantemente reveladora.
o comandante remes nom deixa títere com cabeça no exército: ele é um inútil despercebido, pois mais inútil é a instituiçom para a que trabalha, um exército num país oficialmente neutral, que nom vale muito no jogo estratégico do risk mundial. chega à tundra para fazer umhas manobras. a descriçom do desenvolvemento das mesmas e o seu resultado é deliciosamente esmagador.
e porfim naska: umha velhinha encantadora que deve defrontar-se à testuda ideia dos serviços sociais de que o melhor para ela é ir viver para a vila num asilo. naska é o contraponto inocente a esse par de cínicos que habitam a cabana e a personagem que lhes permite manifestar a sua tenrura.
no meio da trama aparecem outras personagens que nom fam outra cousa que pór em destaque a atmosfera surrealista que envolve o bosque: lugar de exílio, esconderijo, lá quase no polo norte, e aonde chegam gentes do mais estrafalário: polícias forestais, ladrons de renos, prostitutas, turistas alemáns ou assassinos em série.
umha obra divertidíssima. e umha traduçom surpreendente.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

o último voo do flamingo

couto, mia:o último voo do flamingo. editorial caminho. lisboa 2000.

para si que estudou em escola, o chao é um papel, tudo se escreve nele. para nós a terra é a boca, a alma de um búzio. o tempo é o caracol que enrola essa concha. encostamos o ouvido nesse búzio e ouvimos o princípio, quando tudo era antigamente.

e lim outro mais de mia couto, todo seguidinho e em menos tempo. se terra sonâmbula o lim aos poucos durante o verám, já devim pilhar-lhe o ponto, porque este devorei-no numha tarde de praia/noite de sofá.
o último voo do flamingo situa a acçom no tempo imediatamente posterior ao outro romance, com a guerra incivil de moçambique já acabada. umha missom da onu há de despraçar-se ao lugar de tizangara a investigar as mortes violentas dos capacetes azuis que cuidam da paz. o enviado da onu, o italiano massimo risi, com a ajuda do tradutor colocado polas autoridades [e narrador da história], acaba por desperceber todo e compreender nada e de má maneira desconsegue resolver o caso.
no último voo do flamingo está o mesmo mia couto de terra sonâmbula: a importância dada às estorias que entremetem as personagens, a mistura do mundo dos vivos e os mortos, algumhas personagens, como o administrador, a palavra entanto fundadora de novos mundo, novas vidas.
mas, ao contrário que terra sonâmbula, neste romance o protagonista é o humor, um humor retranqueiro colocado na própria trama da história e, sobretodo, nas palavras e atitudes dos habitantes de tizangara. um humor que eu encontrei semelhante ao galego, nessa atitude descreída e crente a um tempo: e por que as cousas nom ham de ser assim?
várias estórias deliciosas: a que dá título ao romance, mas também aquela de como foi a concepçom do narrador, ou a que conta de si o próprio italiano.
e do que mais gostei nesta obra foi de como o autor foi quem fazer crítica/romance social/político, mas com imaginaçom e com literatura. o romance nom deixa títere com cabeça: a nova administraçom neo-colonial, os interesses dos novos dirigentes do país, o labor das forças de paz da onu, o desvio de fundos da ajuda humanitária. mas faz tudo isso sem esquecer, ou tendo mui claro, que está a fazer literatura, polo que o livro nom semelha nem um panfleto nem o discurso maniqueo.

para ler. e rir. e pensar.