terça-feira, 23 de dezembro de 2008

de suicídios colectivos

arto paasilinna: delicioso suicidio en grupo. anagrama 2007. traduçom de dulce fernández anguita.

e vam três. e os três similares e os três diferentes e os três deliciosos, como bem titula o autor neste caso. argumento simples, ironia total: um grupo de pessoas combina acabar com as suas vidas colectivamente para fazê-lo com dignidade, poupar gastos e evitar problemas de acabados imperfectos. paasilinna rebenta com esta trama boa parte dos tópicos com os que, quando menos no sur, associamos o seu país: os nórdicos som estremadamente respectuosos com as normas e a urbanidade, e os fineses tenhem o recorde mundial de suicídios porque vai pouco sol, muito frio, muito álcool e muita soidade. o melhor é que o romancista nom nega esta realidade, todo o contrário, sublima-a de tal maneira que acaba por levá-la ao absurdo.
mas o absurdo nom traz consigo desrespeito ou desprezo. todo o contrário. aquilo que mais me agrada na prosa de paasilinna é que acompanha toda a retranca que dispara em cada frase com toneladas de tenrura. e como umha vai sempre com a outra, a tenrura nom devém em cursilada.
neste romance, a protagonista principal é a morte, a morte desejada: nesta vida o que mais importa é a morte, e tam-pouco é que seja para tanto, cita no começo. e disso trata a obra, de demostrar que desmitificando a morte, engrandecemos a vida.
o grupo de suicidas, encabezados por um militar [muito gosta paasilinna dos militares], logra desfrutar da vida só no momento em que lhe pom praço de finalizaçom a esta. como total vam morrer, podem esquecer todo e dedicar-se a gozar o tempo que lhes resta neste mundo. e assim, o que começou sendo a búsqueda do melhor lugar para bem-morrer acaba por converter-se numha road-movie do prazer.
a diferência deste romance com o moinheiro ouveador é o regosto final. se naquele caso era agridoce, neste é afável: confiemos na bondade do ser humano ou de como a fraternidade ainda é possível.

festina lente

marcos s. calveiro: festina lente. ed. xerais. vigo 2007.

correndo amodo ou apurando devagar. assim deve ser lido este romance. porque onde a trama anima a seguir e nom parar, o léxico encoraja e leva ao dicionário, se umha tem por costume acompanhar-se dele na leitura [nom é o meu caso]. eu lim-no às pressas porque havia encontro com o autor e deixei-me de consultas lexicográficas e tirei para diante e conseguim embeber-me do galego antigo, complexo, latinizado que ressumavam os parágrafos do livro.
porque um dos logros do romance, ao meu ver, é esse de acompassar o estilo da escritura à época em que situa a história: os séculos XV e XVI. cuidado: nom afirmo que esse fosse o galego da época, que quem sabe, mas que o estilo fica o suficientemente afastado da língua actual como para conseguir um efecto de estranhamento no leitor que ajuda a colocar-se no passado.
festina lente conta a história de um artesám compostelám, ambrósio cavaleiro, encadernador, que vive fechado no seu pequeno obradoiro da rua d'almada alheio a todo quanto nom seja o maravilhoso mundo dos livros. um quixote louco sem vontade para sair ao mundo a defender doncelas em perigo ou vassalos maltratados.
outro dos interesses do romance está na época que retrata: essa compostela pre-barroca, séculos escuros que nem o fórom tanto. reclama o autor, revivendo-a, umha parte da história galega nom por desconhecida e ignorada menos interessante. essa em que a galiza nom chegava ao mundo através de madri mas através dos seus mares. e o mundo à galiza. por certo, no blogue do livro, há posts que ajudam a situar a trama histórica e geográficamente.
a tacha para mim nom é a que ponhem outras, sendo esse um debate proveitoso, mas que nom encontro bem reflectido o processo de isolamento e crescente misantropia do protagonista. durante o romance vemos como chega a compostela de neno quase adolescente e como acaba morrendo, anos e anos depois. porém, o facto de que acabe só e abandonando-se do mundo no seu obradoiro nom acaba de ser bem percebido. nom sei se será causada esta impressom por ter sido o texto resultado da reduçom de um outro mais estenso, mas a sensaçom eis a está.
o melhor: ver a fala dos canteiros convertida em mistério a resolver, em manuscrito envelenado, como aquele do nome da rosa.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

achegando-me a ítaca

rosemary sutclifft: las aventuras de ulises. edelvives. madrid 1998.

o mundo está cheio e obras literárias, reborda livros e propostas de leituras, e porvezes temos que admitir des-leituras nunca feitas porque nom quadrárom, porque nom interessárom, por nom ter havido tempo, por nom ter querido.
um dos campos que eu tenho abandonado quase na sua totalidade é o dos clássicos greco-latinos. por isso, quando no clube de leitura do licéu nos propugérom como tema de conversa ulisses e as suas aventuras, houvem de admitir que nunca lera a odisséia.
como é um livro denso que nom pode ser lido no meio de avaliaçons e trabalhos, optei por achegar-me ao tema através das tam deostadas [quando menos por mim em mais de umha ocasiom] adaptaçons juvenís.
lim umha versom breve mas cuidada, tanto na elecçom das ilustraçons como no estilo linguístico escolhido, que procurava manter o tom classicista. e cumpriu seu rol a adaptaçom, pois a decisom tomada trás dar cabo da leitura foi a de entrar-lhe à obra original quando chegue o verám com a sua calma.
das sessons que figémos comentado as obras relacionadas com ulisses e a sua ítaca fiquei com umhas ideias interessantes que dérom que falar e discutir ao grupo:
  • o rol sexista da sociedade representado por penélope, a sua longa espera e fidelidade e a suspeita ciumenta de ulisses.
  • a valorizaçom da inteligência perante a força física: ulisses é ajudado pola deusa da sabiduria e vence, com astúcia, a seres imponentemente mais vigorosos que ele.
  • a importância do controlo das emoçons, sobretodo da ira -saber ponderar quando, onde, cara a quem e em que grau deve ser usada-, umha das aprendizagens que faz ulisses e que pretende aprender ao seu tempo a telémaco.
  • o contraste entre a ítaca de ulisses e a de kavafis: a viagem marcada pola própria atitude da pessoa que viaja, com monstros que nom som outra cousa que monstros interiores, e maravilhas que só podem ser encontradas se um tem disposiçom para saír ao mundo.
enfim, que sim, que vou ler a odisseia o próximo verám, se nom antes. e resta-me para o nadal, umha encarga: esta.

e de despedida a ítaca que nom pudemos escuitar por falta de tempo:




quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

namorados desertores

mario regueira: tanxerina. espiral maior. a corunha 2006.

as palmeiras oscilam como o sono ao que renunciamos. e no brilho dos olhos mentimo-nos amizade e exílio.

o grupo duns amigos, dezapal, tem umha cançom que musica um poema de álvaro cunqueiro. umha cançom que soa como os poemas de mario regueira em tangerina. quando menos para mim.
comecei a lê-lo e resultava-me familiar, lenemente familiar, mas por quê? polas lonas da jaima do cunqueiro, essas que cheiram a menta. e seguim lendo e dei em pensar. porque a segunda parte do poemário leva por nome rick's café, numha clara referência ao filme casablanca. eu nom lembro, confeso, um visionado consciente dessa película, só algum retalho de quando nena. eis a reviravolta da leitura: a mim evoca-me um texto e umha música que o autor nom declara conhecer e aquilo que ele reclama eu desconheço...
e mais cousas evocam a leitura: aquela visita a gorée e à porta sem retorno onde um homem enorme fazia o esforço de cruzar a pontelha e falar-nos dos seus mortos, aqueles soldados pretos, indígenas diziam-lhes, que luitavam por brancas causas e coloniais, a kabília e as suas ressistências, e todo adubado no azul da pele tuaregue. provavelmente de nada disso queria escrever o poeta, mas é o que eu lim.
se no poema de cunqueiro alguém canta umha cançom do norte, aqui o poeta escreve umha crónica do sul, a crónica do sonho renunciado, a crónica dos que perdêrom umha guerra. e ainda que envolta no exotismo do deserto, os minaretes, os xamans e as cerimónias do chá, nada há mais achegado e menos afastado que o desejo de passar umha pontinha e visitar aos próprios mortos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

domingo, 30 de novembro de 2008

cultivos transgênicos

carlos negro: cultivos transxénicos. instituto de estudos miñoranos e entidade local de morgadáns. gondomar 2008.

onde nada acontece até que chegue otro enterro.

sinto-me identificada com os mundos que retrata carlos negro, porque som os mundos en que eu me criei. reflicte ele, nos seus textos, com as suas palavras, inquedanças mui semelhantes às minhas, ditas quiçás com outras palavras.
carlos negro conta nos seus poemas do rural galego, da galiza interior, mas nom dessa galiza de turismo rural e casa de rústico estilo. nom. fotografa com versos a galiza que desaparece. a abandonada, a esquecida. a baldeira. e sim. sim que retrata essa galiza de turismo rural e casa de rústico estilo. essa galiza que se amortalha em modernidade aparente para simular o cheiro da morte. a que já nem dói de tanto que se ignora.

porque também eu sinto umha úlcera textual que me desangra, gosto dos poemas de carlos negro, que denunciam o tránsito feroz de labregos a consumidores.

outros livros que lim de carlos negro:
far-west
héleris

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

caçando trolls

luis seixido: o cazador de trolls. sotelo blanco edicións. compostela 2001.

o caçador de trolls nom é um romance, mas umha novela, um conto longo. toda a trama esta bem sintetizada no título: vai de um caçador que anda à caça de trolls. a estrutura da obra é bem simples também: umha primeira parte dedicada ao caçador, racamonde; umha segunda parte dedicada aos trolls, e umha terceira na que é narrado o encontro violento: a caçaria.
mas por detrás desta aparente simpleza bate umha reflexom mais profunda. ainda que para mim certas técnicas utilizadas polo autor nom estám mui logradas [o uso do estilo indirecto livre nom acaba de convencer], nom evitam que a trama esté bem construída e que faga reflexionar.
porque esta novelinha mostra como muitas vezes o pedrador é quem nom o parece e que os monstros tenhem comportamentos mais humanizados que muitas pessoas.
na primeira parte conhecemos racamonde, caçador, autêntico predador, que se move pola fraga igual que um lobo, um urso, um raposo. por suposto, junta ele mais experiência, força e astúcia que esses três animais em conjunto. e menos respecto com a vida: até os lobos, vemos na obras, tratam com dignidade aos seus inimigos dentro da manada. racamonde encontra provas da existência de trolls na fraga do rei e decide sair na sua busca, para espanto de toda a povoaçom, dada a fama demoníaca de tais engendros.
na segunda parte conhecemos os trolls, representados por Vento Morno e a sua família, dedicados por completo a viver e deixar viver, aproveitando os recursos do bosque ,mas sempre colaborando para o seu cuidado, e mantedores de umha bençom mágica que os ajuda a sobreviver: o dom.
o dom será o elemento mágico que lhe dê sentido ao final da história e que enfatize o lugar de cadaquém na escala de valores que o autor nos quer ajudar a construir.
eis o romance: aproveitando elementos da narraçom oral o autor constrói um discurso que ajuda a reflexionar sobre o papel dos seres humanos com respecto aos outros animais seique menos racionais e perante a natureza em geral. o autor acerta ao situar a história num tempo indefinido, mas num espaço reconhecido: eu vim-me na devesa da rogueira, no courel.
isso sim, o final nom deixa muito espaço para a esperança...

ah, e penso que o desenho da capa do livro desmerece o conteúdo do mesmo. eu nom o teria colhido para ler.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

a pensom eva

andrea camilleri: a pensión eva. traduçom de carlos acevedo. galaxia 2006.

nené quer entrar na pensom eva, templo sagrado, centro de peregrinaçom masculina, manancial de mocidade, rito iniciático. mas nom pode entrar até os 18 anos, a menos que faga trampas. entretanto conhece o seu corpo e o seu entorno, joga a médicos com a curmá, olha revistas que nom deve, [des]informa-se entre amigos sobre a filosofia última da vida.
este romance, ou melhor novela, leva-nos da mao de nené até a cidade siciliana de vigatà. começada a leitura, semelha que o narrador nos vai passeiar polas aventuras da adolescência, o despertar do sexo, os primeiros encontros, numha viagem leve e lixeira, quase idealizada.

mas de súbito, umha bomba bong.

e faz apariçom a guerra, o fascismo, a violência, rebentando a vida nos mercados.

é certo que a visom do bordel [ou!, estripei parte da trama: a pensom eva é um bordel] está idealizada, com madamas tenras e prostitutas ora puritanas ora comunistas, mas eu gostei da evoluçom que fam as personagens protagonistas: se ao começo nené só pensa em chegar à maioria de idade para ir de putas, acaba por esquecer tal pretensom depois de conhecer, nom às putas em geral, mas as mulheres concretas que se vendem na pensom.
o tratamento da religiom divertiu-me muito. há duas histórias deliciosas: a do neno visitado polo espírito santo e a da puta que viu cair um anjo do céu.
de leitura ligeira, rápida, nom me deixou o regosto a banalidade que semelhava proporcionar ao primeiro bocado.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

memórias de idhum


laura gallego: memorias de idhún I. la resistencia. editorial sm. madrid 2004.

andava a chantar os dentes noutras leituras, mas tivem que pór-me, sem muita vontade, com as memórias de idhum; decidiu o clube de leitura da escola que tocava esse, e entrei nele, apesar de que a literatura fantástica adolescente nom me chama nada.
o romance, primeira parte de umha trilogia, conta a história de jack e vitória, dous adolescentes que nom se conhecem e que se vem luitando, sem saber por que causa, com a ressistência de idhum, mundo afastado onde ainda reina a mágia, mas que corre perigo por ter caído em maos dos sherks, os guerreiros-serpe.
a história tira dos tópicos do bem e o mal, da mitologia de bestiário, com dragons e unicórnios, da mágia de harry potter e dos mundos fantásticos do senhor dos anéis.
lim os primeiros capítulos de mau-humor. a conjunçom mais conhecida pola autora do romance semelhava ser pero e a palavra que mais se dava, estranho, peros por aqui estranhos por alá peros por aqui estranhos por alá... o dicionário que utilizou devia de ser de peto, mas nom o moliner precisamente.
porém, quando me dei de conta, andava lendo no capítulo dez e quando caim da burra na segunda parte... porque fiquei enredada na trama como numha silveira.
mantendo a minha opinióm de que podia estar bastante melhor redactado e de que é melanguinhoso até dizer basta, sim admito que tem elementos de certa originalidade: nom há bons tam bons nem maus tam maus, as personagens evoluem; a trama nom é tam predezível como podia parecer ao começo [eis, para mim, a razom pola que enganchei], mistura bem actualidade tecnológica e mundos mágicos...

o segundo grande defecto: deduzim qual era a chave da obra antes de tempo... quiçás já nom som tam adolescente...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

migraçons

rafa villar: migracións. espiral maior. a corunha 2008.

a língua como pátria, como músculo que comunica, a memória que temos de nós, a que deixaremos, o país de emigrantes que se esquece a si mesmo, os imigrantes que afundem no oceano, o futuro na língua cúmplice, o futuro semfuturo, o refúgio no amor, o porto que acolhe almas perdidas. todo isso aparece neste poemário do que gostei por singelo [que nom simples] na escolha léxica e sintáctica. sem miramentos. sem artifícios. labazada directa na face:

nom esqueças
que em herdo deixaremos
apenas umha terra arrasada
que fará de nós
a mais triste das cousas para lembrar

recordarám-nos
como som recordadas as cicatrizes mais profundas
como som recordados os naufrágios mais atrozes
como é recordada a geada mais daninha

e doerá a lembrança de nós
doerá tanto
que às nossas cousas lhe serám dados
outros nomes e outras festras

e farám por esquecer-nos
no meio da noite inevitável.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

assim nascem as baleias

anxos sumai: así nacen as baleas. editorial galaxia. vigo 2007.

nom sei se nascem assim... a leitura deste livro fijo-se-me rápida. lê-se bem e seguidinho. mas deixou em mim um regosto amargoso. porque nom acredito na personagem de ramom.
mas comecemos por onde há de começar-se.
há umha protagonista feminina que volve à casa depois de anos de ausência. a mai está a morrer e a família pretende que se faga cargo da empresa entanto herdeira. mas a prota tem umha vida própria, construída por ela mesmas que nom tenciona abandonar. faz a viagem de volta ao fogar, filha pródiga e do re-encontro nasce a memória do acontecido no passado. e umha figura que todo o ocupa com a sua ausência: o irmao ramom.
as relaçons da moça com a mai som muito conflitivas, e as relaçons com a tia, e as relaçons com a velha aia. a mai virou louca depois de ser abandoada polo seu homem, homem de mar que a protagonista nunca conhece.
o romance desenvolve-se na luita da protagonista por seguir o seu caminho ou ceder perante a família, como cedêrom todos os membros da mesma: cadaquém exerceu na vida o frustrante papel para o qual foi criado, sendo ela a única, a última que pode livertar-se de tal fado.
aquele regosto amargo, como indiquei, é o do irmao ramom. suponho que é muito difícil espelhar umha personagem com retraso mental, e nisso é nom que para mim falha o romance: nom acabo de ver como verossímil a construçom desta personagem. tem um discurso demasiado poético e elaborado para só saber classificar parafusos numha ferretaria. nom acabei de entrar nela. por muitas páginas pensei que a doença era mental: umha esquizofrênia, umha bipolaridade, mas nom umha falha da inteligência em si. por como se expressa, nom. está visto que certo tipo de personagens custam-me.

da infámia

j.m. coetzee: deshonra. rinoceronte editora. cangas 2008. traduçom de moisés barcia.

que saberám os cans da honra e da desonra?

a colecçom contemporânea da rinoceronte dá para muito.
lim algo de coetzee em castelhano e gostei dele. quando vim este desronra traduzido ao galego nom duvidei em mercá-lo. agora venho de lê-lo.
david laurie é o protagonista do romance. é professor de literatura numha universidade sudafricana. o david tem um encontro sexual com umha aluna, do que nom sai bem parado: é denunciado por ela e obrigado a renunciar ao seu posto docente. decide refugiar-se no campo, na granja que dirige a sua filha. a cousa semelha ir bem: quando o homem semelha encarreirar um caminho de redençom, algo acontece que faz desaparecer a terra ao seu arredor e deixar só valdeiro.
as perspectivas que introduz coetzee nas suas obras som do mais interessante. neste caso, um homem é acusado de cometer um delito sexual: abusou do seu poder para deitar-se cumha aluna. ele mesmo, em primeira pessoa, descreve os encontros. ele mesmo dá conta de que resultam quando menos, bruscos e violentos: a aluna cede mas nom goza. ele mesmo admite que nom sente arrepentimento. mas admite o castigo: o aviltamento pessoal, a perda pública da honra. eu, entanto leitora, nom acabo por simpatizar com o protagonista.
o romance semelha caminhar cara a recuperaçom dessa honra perdida, mas nom. vemos como o protagonista nom recupera a dignidade mas tem de sofrer um desdouro muito mais fundo que aquele público: nom poder ajudar a umha filha aviltada por outros homens, delinqüentes como ele. nom há pior infámia que a interior.
e a sudáfrica. a sudáfrica que descreve coetzee é umha sudáfrica post-apartheid dura e violenta. o apartheid nom aparece quase citado, mas é um sombra que todo o cobre e que nom deixa luzir o sol. e assim como os negros estám obrigados a esquecer o passado de desprezo para refazer o país, a filha de david sinte-se na obriga de ser castigada com a desonra por ser parte da elite branca.
em realidade, quem se desonra é toda umha sociedade.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

nove

maria lado: nove. edicións fervenza. a estrada 2008.

este lugar mordido.

nove é novembro, umha ilha, umha baleia, um lugar para a dor. o poemario começa com um assim dói novembro a ressumir -ressumar- todo o texto. coitelas como paisagens, agulhas, mordeduras, peles mancadas, crebas, formam o léxico e o leit-motiv do discurso.
nove é um poemário do sofrimento. nom pediu de mim que percebesse, que entendesse qualquer cousa em toda a sua claridade, mas que sentisse. que me identificasse com a dor.
eu entendo a poesia como umha procura da abstracçom, perfectamente explicada naquele poeminha de pessoa e o fingidor que chega a fingir aquilo que sente. é abstracçom porque o que procuras é fazer comum, compreensível por qualquer, aquilo que é só subjectividade. colectivizas o íntimo, o pessoal.
e isso consegue marialado: colectivizar a dor.
e através do mar, esse animal mancado.

quarto de outono

maria do cebreiro: quarto de outono. sotelo blanco edicións 2008.

quedas sem chave / à porta do poema.

lim-nos seguidos e opostos, porque se numha maria sentim que me pedia sentir com esta maria pensei que me pedia pensar. o mais provável é que umha e outra se misturassem e que pidam sentir pensando ou pensar sentindo, mas enfim.
o poemário propom um jogo: este livro, ao seu jeito, tenta provar que nom deveria haver propriedade no uso da palavra. por iso, quase todas as citaçons que som incluídas apresentam desvios significativos com respecto ao original -por isso eu mudo ortografias também. e assim é, no percorrido da leitura, resultam-nos reconhecíveis alguns versos, mas onde como?, outros sintagmas, certas expressons. e pensamos. som ou nom som. que me estou a perder, que estou a ganhar. sinto-me algo estúpida, por medo a perder sentidos e nom perceber.
e só ao final a autora esclarece a regra do jogo: arrimar a cabeça à caixa do tórax, fechar os olhos, escuitar.
e volves ler. e percebes.

sábado, 13 de setembro de 2008

o moinheiro ouveador

paasilinna, arto: o muiñeiro ouveador. rinoceronte editora. cangas 2007. traduçom de tomás gonzález ahola.

huttunen olhava-a sem descanso, estava tam apaixonado que até lhe doia. resultava-lhe difícil manter-se sentado. amava-a tanto que lhe apetecia correr arredor da fogueira.

depois dos raposos aforcados seguim meio finesa e entrei-lhe ao moinheiro ouveador. nom guardei nengumha frasse especial deste romance. sim a história. gunnar -kunnari para a vizinhança- tem um moínho e gosta de ouvear polas noites. isso é-lhe suficiente a paasilina para desenvolver, muito eficazmente, a narraçom da intolerância.
os vizinhos da aldeia decidem que gunnar virou louco, pois a ver a quem se ocorre que se poda ouvear assim porque sim, e fam o possível por interná-lo em um hospital psiquiátrico -em realidade um manicómio, com toda a conotaçom negativa que lhe podemos dar à palavra-. kunnari só recebe a ajuda de sanelma, a trabalhadora do sindicato agrário que o namora, o polícia portimo, o carteiro piittisjarvi e um agente imobiliário estafador.
em cada um dos encontros que o protagonista tem com todas aquelas pessoas que o querem encerrar, este mostra tanta sanidade mental como os seus antagonistas, ou bem ao invês, as personagens vam mostrando como todos e cada umha somos um pouco loucas, ou quando menos, fazemos centos de cousas inexplicáveis a olhos das normas sociais. isto nom impede a persecuçom de kunnari por parte das forças vivas da comunidade.
gunnar serve-lhe ao narrador para ensinar-nos até que ponto pode chegar a crueldade das pessoas: o moinheiro pensava que se ele tovesse um doloroso tumor no peito seguro que o deixariam viver em paz, seria compadecido, seria ajudado e deixariam-lhe viver com a sua doença entre as demais pessoas. mas como a sua mente nom era como a dos demais, era marginado e apartado do resto dos seres humanos.
o protagonista tem que agachar-se nas montanhas, construindo refúgios que se volvem fogares com as suas manhas carpinterias. refúgios sucessivamente localizados e arrassados polos seus acosadores. dá-se no romance um claro contraste entre o protagonista-louco-criador e os antagonistas-sisudos-destrutores. os espaços também som significativos: o manicómio, a sua sujidade e escuridade, contrastam com a claridade dos esconderijos de gunnar.
ainda que a base da trama seja semelhante à do bosque dos raposos aforcados -protagonista que deve fugir e refugiar-se na montanha lapona-, a reflexom que desperta este romance é totalmente diferente. naquele governava a ironia e a retranca. neste, ainda que estám presentes, como nos episódios do agente imobiliário que se faz o doido ou o do carteiro e o alambique clandestino, desaparecem como elementos destacáveis. o que resta é a desesperança: se no bosque dos raposos, o refúgio faz emerger os bons sentimentos dos criminais, neste caso um simple gosto polo ouveo faz emerger os instintos animais daqueles que, supostamente, som os civilizados.


e o final, aberto e ambíguo, nom elimina o pouso de desacougo.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

um bosque diferente

paasilinna, arto: o bosque dos raposos aforcados. rinoceronte editora. cangas 2008. traduçom de tomás gonzález ahola.

um exilado sempre bota de menos o seu país, ainda que seja um delinqüente.

a literatura está cheínha de bosques, tenebrosos, fantásticos, misteriosos, mágicos. o bosque dos raposos aforcados é um bosque com personagens que fogem do tópico. ou, simplesmente, de personagens que fogem.
três som os protagonistas do romance: oiva juntunen, delinqüente profissional que precisa agachar-se para nom compartir o botim dum atraco com os seus cúmplices; o comandante remes, militar borrachuças que solicita umha excedência no trabalho para embebedar-se a gosto; e naska mosnikoff, umha velhinha de 9o anos que quer evitar que os serviços sociais a ingressem em um asilo.
e os três protagonistas, bem diversos, coincidem, casualidades da literatura, numha cabana no meio da tundra lapona, onde convivem um inverno compartindo o bosque com cincocentos, um raposinho meio salvegem meio doméstico.
a obra está dividida em três partes, que se correspondem com a apresentaçom de cada umha das três personagens e o seu encontro na tundra. e cada personagem serve-lhe ao autor para atacar, com tanto humor como contundência, algumha das instituiçons da civilizaçom ocidental: o sistema penal/econômico com oiva, o sistema militar, com remes; e o sistema de benestar social, com naska.
a ironia erige-se em grande protagonista do romance. o narrador recorre ao estilo indirecto livre para mostrar-nos as personagens, das que conhecemos cada um dos seus pensamentos e opinions. som as suas opinions, sobretodo, as que marcam o romance: ás veces pasaba algunhas tempadas no cárcere solucionando os diferentes puntos de vista que sobre a legalidade tiñan el e mais as autoridades. assím, com este tomzinho irónico-festeiro, decorre toda a leitura.
o cinismo assoma por cada um dos poros de oiva: a sua viagem a florida, vista como um paraíso habitado só por assassinos, estafadores e ladrons, é um bom começo, mas a sua teoria sobre a delinqüência, comparada com a protecçom ambiental dos alces, é impressionantemente reveladora.
o comandante remes nom deixa títere com cabeça no exército: ele é um inútil despercebido, pois mais inútil é a instituiçom para a que trabalha, um exército num país oficialmente neutral, que nom vale muito no jogo estratégico do risk mundial. chega à tundra para fazer umhas manobras. a descriçom do desenvolvemento das mesmas e o seu resultado é deliciosamente esmagador.
e porfim naska: umha velhinha encantadora que deve defrontar-se à testuda ideia dos serviços sociais de que o melhor para ela é ir viver para a vila num asilo. naska é o contraponto inocente a esse par de cínicos que habitam a cabana e a personagem que lhes permite manifestar a sua tenrura.
no meio da trama aparecem outras personagens que nom fam outra cousa que pór em destaque a atmosfera surrealista que envolve o bosque: lugar de exílio, esconderijo, lá quase no polo norte, e aonde chegam gentes do mais estrafalário: polícias forestais, ladrons de renos, prostitutas, turistas alemáns ou assassinos em série.
umha obra divertidíssima. e umha traduçom surpreendente.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

o último voo do flamingo

couto, mia:o último voo do flamingo. editorial caminho. lisboa 2000.

para si que estudou em escola, o chao é um papel, tudo se escreve nele. para nós a terra é a boca, a alma de um búzio. o tempo é o caracol que enrola essa concha. encostamos o ouvido nesse búzio e ouvimos o princípio, quando tudo era antigamente.

e lim outro mais de mia couto, todo seguidinho e em menos tempo. se terra sonâmbula o lim aos poucos durante o verám, já devim pilhar-lhe o ponto, porque este devorei-no numha tarde de praia/noite de sofá.
o último voo do flamingo situa a acçom no tempo imediatamente posterior ao outro romance, com a guerra incivil de moçambique já acabada. umha missom da onu há de despraçar-se ao lugar de tizangara a investigar as mortes violentas dos capacetes azuis que cuidam da paz. o enviado da onu, o italiano massimo risi, com a ajuda do tradutor colocado polas autoridades [e narrador da história], acaba por desperceber todo e compreender nada e de má maneira desconsegue resolver o caso.
no último voo do flamingo está o mesmo mia couto de terra sonâmbula: a importância dada às estorias que entremetem as personagens, a mistura do mundo dos vivos e os mortos, algumhas personagens, como o administrador, a palavra entanto fundadora de novos mundo, novas vidas.
mas, ao contrário que terra sonâmbula, neste romance o protagonista é o humor, um humor retranqueiro colocado na própria trama da história e, sobretodo, nas palavras e atitudes dos habitantes de tizangara. um humor que eu encontrei semelhante ao galego, nessa atitude descreída e crente a um tempo: e por que as cousas nom ham de ser assim?
várias estórias deliciosas: a que dá título ao romance, mas também aquela de como foi a concepçom do narrador, ou a que conta de si o próprio italiano.
e do que mais gostei nesta obra foi de como o autor foi quem fazer crítica/romance social/político, mas com imaginaçom e com literatura. o romance nom deixa títere com cabeça: a nova administraçom neo-colonial, os interesses dos novos dirigentes do país, o labor das forças de paz da onu, o desvio de fundos da ajuda humanitária. mas faz tudo isso sem esquecer, ou tendo mui claro, que está a fazer literatura, polo que o livro nom semelha nem um panfleto nem o discurso maniqueo.

para ler. e rir. e pensar.

sábado, 30 de agosto de 2008

terra sonâmbula

COUTO, mia: terra sonâmbula. editorial caminho. lisboa 1992.

a vida no gosta de sofrer. a terra anda a procurar dentro de cada pessoa, anda juntar sonhos. sim, faz conta ela é umha costureira dos sonhos.

muidinga e tuhair som dous órfaos da guerra do moçambique. tuhair é um velhote com todas as memórias ao lombo. muidinga é um menino que todo esqueceu. juntos aguardam, na berma da estrada, vivendo nos restos queimados dum coche de línea, que a guerra acabe. gastam o tempo dando passeiadas pola volta do refúgio e lendo, muidinga para si e para tuhair, os cadernos de kindzu, único cascalho recuperado das cinzas do bus.
nos passeios por volta do machimbombo, tuahir e muidinga tenhem encontros com gentes de todo o tipo, que contam as suas estórias, explicando-se a si e explicando-nos, o horror de um país desfeito. nunca estamos certos, nem protagonistas nem leitores, se os encontrados som pessoas ou fantasmas: os vivos semelham ânimas em pena e as ânimas nom encontram acougo na terra, de revolto que anda o mundo. por contra, kindzu, o autor dos cadernos, é um moço que conta do seu peregrinar polo mundo fugindo do espírito de seu pai e procurando unir-se aos guerreiros naparamas para livertar a terra. reunem-se assim três histórias e centos de estórias, que em realidade som umha: a das desfeitas da guerra.
avançada a trama, tuahir, homem sábio, cai na conta de que nem ele nem muidinga se deslocam por nenhures quando caminham, mas que eles e o seu machimbombo ficam parados, entanto é moçambique, as suas diversas terras e os seus diversos habitantes a desfilar perante eles, testemunhas do sonho. é a terra a que anda a peregrinar na procura duns novos habitantes que a arrinquem do pesadelo e a devolvam à vida.
os cadernos de kindzu vam exercer de grande texto fundador dum novo mundo e muidinga, menino dememoriado que nem sabe que aconteceu na guerra, será o responsável de dar começo à nova era. o caderno e tuhair aprenderam-lhe a sonhar.
o romance lim-no lento, aos poucos, pois requeria de mim mais esforço que outros. a lingua, esse português moçambicano que usa o autor, estonteou-me desde as primeiras linhas pola sua riqueza, a sua originalidade e, sobretodo, a sua liberdade criativa. na minha ignorância, nom sei que tanto por cento dessa língua escrita faz parte da variedade moçambicana e que tanto por cento é idiolecto, criaçom pessoal do escritor, mas já gostaria eu de ler mais amiúde galegos como este.
e procurando ligaçons para este postinho, descubri que há umha versom cinematográfica do romance. eis o trailer.




quarta-feira, 27 de agosto de 2008

a casa de mango street


sandra cisneros. a casa de mango street. rinoceronte editora. cangas 2008. traduçom de alicia meléndez sousa.

lim também a casa de mango street, mas como gostei muito, já emprestei o meu exemplar e nom podo fazer resenha sem livro diante do nariz. vai para quando volte a mim. só dizer que a protagonista também é criança inocente, mas de inocência muito máis trabalhada e lograda que outras.

pijamas raiados

boyne, john: o neno do pijama a raias. factoria k de libros. vigo 2007.

...vira umhas quantas vezes o pai de bruno e nom era quem de compreender como um homem como ele podia ter um filho tam simpático e boa pessoa.

venho de ler a grande obra, o romance curto que o boca-orelha tem levado ao topo das listagens de vendas. e lim-no, entre outras cousas, porque fijo chorar à metade do meu alunado de quarto da eso [lerom-no para a matéria de ética]. algho havia de haver...
o neno do pijama a raias é um romance curto. o protagonista é um menino de nove anos que sofre a mudança da família para umha nova casa, por mor do trabalho do pai. vem sendo este o início tópico de muita narrativa adolescente. só que aqui nom há nova escola, nova panda nem conflitos com o novo professorado [seria o típico]. a metade da trama transcorre com bruno sozinho, aborrecido lá no casarom que habita com a sua família. com o avanço dos capítulos vamos sabendo aquilo que o protagonista sabe: que o pai trabalha para o fura e que o novo trabalho do papá está em ousvich. e nós deduzimos, depois de ter-lhe colhido um aquel de agarimo ao menino que seu pai é nazi, que o chefe é o führer adolf hitler e que a mudança foi feita para assumir o papá a direcçom de auschwitz.
bruno sinte-se só no casarom, acompanhado unicamente pola família directa e o serviço doméstico. nom há nenos em toda a volta, só aqueles que vivem do outro lado das grades. e, jogando aos exploradores, descobre o único amigo que fará em ousvich: shmuel, um neno que sempre está triste e viste um pijama a raias. amizade perigosa e com final trágico.
o livro faz-se fácil e rápido de ler.
mas a mim falhou-me a inocência do bruno: tem nove anos, nom cinco nem três. porvezes penso que é ingênuo de mais. penso que se pode nom compreender a ideologia nazi e as causas do holocausto com nove anos [algumhas nom as acabamos de ver com mais de trinta], mas associar o campo de concentraçom a umha prisom nom me semelha tam longe dumha mente infantil, sobretodo num neno que razona para deduzir que nom pode ser umha granja de animais. vendo ao seu arredor soldados uniformados, como nom deduz que o pijama a raias é algum tipo de vestimenta oficial e nom mal gosto estético por parte de shmuel? como nom podia dar-se conta de que passa fame porque nom lhe dam de comer, e nom porque queira? e depois de ver a malheira dada polo tenente kotler a pavel, como nom pode associar essa violência à situaçom das pessoas tras do arame farpado? o menos coerente, algumhas das conversas com shmuel. toda essa inocência, ingenuidade de bruno, embora seja a fortaleza do romance, a mim renge-me. resulta-me crível no meu alunado de quarto da eso, que passa de histórias do passado, de políticas balorentas, de contos de velhas, mas nom numha criança que está a vivê-lo no seu presente.
o interessante da obra, para mim, é o facto de dar protagonismo a quem nunca o tivo: o lado nazi. as testemunhas, umhas cúmplices no seu silêncio [a mai de bruno] outras inocentes [o próprio bruno, a sua avô], situadas na banda do agressor [o pai de bruno]. e como avós, filhos ou netos nom tenhem por que ser responsáveis das barbaridades que umhas pessoas cometam. às vezes, neste mundo em que vivemos, esquecemos isso.
outro elemento interessante é essa tentativa de fazer um achegamento emocional a um acontecimento histórico. o horror do holocausto pode chegar muito máis facilmente à mocidade actual, penso eu, através da empatia com a vítima, que por meio de documentais históricos ou charlas magistrais na aula. a outra inocência de bruno [a sua condeia nom culpável e sem consciência real do por que, ao estilo kafka] é o espelho de todas essas outras mortes inocentes em todos os campos de concentraçom, nazis ou actuais, como bem indica a contracapa do livro.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

de encontros com o outro

kapuscinski, riszard: encuentro con el otro. editorial anagrama. barcelona 2007

Quando hojendia, caminho por umha aldeia etíope levantada no meio das montanhas, corre atrás minha um grupo de crianças desfeito em risos e gozo; assinalam-me com o dedo e exclamam: Ferenchi! Ferenchi!, que significa, precisamente outro, estranho.

seguindo o meu roteiro pola obra de kapuscinski dei cabo, em meia tarde, dum pequeno opúsculo no que reflexiona sobre a alteridade. o livrinho recolhe o conteúdo de quatro conferências oferecidas em lugares diversos com o tema comum do outro.
nestas quatro conferências, aqui capítulos, kapuscinsiki percorre a história dos encontros entre Nós [eus] europeus e os Outros [os nom europeus] que polo mundo andam. conta como essa história de encontros está marcada em grande medida pola resoluçom violenta e para a dominaçom. mas também dá conta das tentativas dun encontro com o outro partindo do diálogo e a apertura, contando histórias como a de malinowski, ou teorias filosóficas como a de lèvinas.

duas ideias centrais:
  • a base da identidade das persoas e dos povos é a dicotomia eu-outro. somos em funçom dos outros, somos relaçom. o outro nom é mais que um espelho que precisamos para conhecermo-nos, que nos reflicte como realmente somos. um exemplo: o próprio kapuscinski conta como ele nom foi consciente da sua cor de pele até ver-se entre gente de cor diferente, porque a sua cor marcava as relaçons, para bem e para mal.
  • defrontar-se ao outro, encontrar-se com ele, nom é um caminho fácil. implica dúvidas, incomodos, malestar, porque implica pór em questom a própria identidade. o caminho fácil e cómodo é o da ignorância, o do despreço, o do isolamento.

e umha reflexom final que atinge ao mundo literário: a literatura actual foge do tema do encontro co outro. nom lhe interessa. questiona kapuscinski o feito de que nom houvesse escritores ocidentais quando a queda do sha, por exemplo, ou quando a guerra do golfo para viver, reflexionar e escrever sobre o encontro com o outro, quando este encontro, violento, está a marcar o rumo da vida mundial: há um desencontro absoluto da literatura com os dramas que sacodem o mundo perante os nossos olhos, a sua resignaçom a deixar o relato dos grandes acontecimentos em maos dos cámaras de televisom e os técnicos de som, constitui, ao meu parecer, umha manifestaçom da profunda crise que vivem as relaçons entre linha histórica e literatura, um sintoma da impotência da literatura perante os fenômenos do mundo contemporâneo.

Para pensar.

terça-feira, 22 de julho de 2008

ouriços elegantes


BARBERY, muriel: la elegancia del erizo. círculo de lectores. barcelona 2007.

e se a literatura fosse umha televisom que nos mostra todo aquilo no que fracassamos?

A elegância dos ouriços é essa que sob umha nuvem de pinchos e espinhos deixa espaço para o movimento harmónico e acompassado com o movimento do mundo. e é a elegância das duas protagonistas deste romance.
Pareceu-me lograda a obra por umha cousa: o terrivelmente inverossímeis que semelham as protagonistas e certas situaçons e o verossímeis que resultam: umha, umha porteira de prédio rico sem estudos mas com formaçom autodidacta que é quem de ler husserl e de desmontar-lhe as suas teorias filosóficas entre passada de pano e esfregada de chao; a outra, umha menina de onze anos que escreve com umha de corenta [ou melhor] e que tem decidido e programado o seu suicídio. em realidade, duas pessoas sozinhas.
renée, a porteira, considera a fenomenologia umha brincadeira. entende que para husserl só existe a apreensom das cousas, de um gato, por exemplo, sem importar-se das cousas em si, é dizer, do gato, das pessoas. a renée, a porteira, e a paloma, a menina, passa-lhes algo semelhante: o seu entorno apreende delas umha imagem, umha imagem tópica ademais: porteira imunda e menina repelente, e segue a imagem sem se parar nunca a vê-las a elas em si.
e elas que se doem disso nos seus pensamentos, nom deixam de fazer o mesmo até dar com um mediador que facilita o encontro, a comunicaçom: ozu, o novo vizinho japonês que meia desde umha cultura diferente.
enfim, o livro conta de pessoas que buscam o seu lugar no mundo, de indentidades e comunicaçom. de vida.

terça-feira, 15 de julho de 2008

o diabo na cruz

THIONG´O, ngugi wa : el diablo en la cruz. editorial txalaparta. nafarroa 1994.

o antílope odeia menos ao homem que o distingue
que àquele que delata a sua presença


há viagens curiosas. livros que caem nas maos quando ham de cair.
soubera de ngugi wa thiong'o através da leitura de ferro. buscando a negritude e os seus autores dei com este menino mau: criticou senghor e os seus seguidores por escrever na língua e nos modos dos europeus e construir o seu modelo de negritude como reverso positivo da negrura branca. como prova da súa rebeldia, renunciou à língua inglesa e decidiu escrever só em kikuyu.
por suposto, quando lim tal história assumim que nunca poderia ler ngugi wa thiong'o. quem traduziria do kikuyu para algumha das línguas que podo ler...
qual a minha surpresa quando encontro numhas maos amigas o livro que agora conto. em castelhano. e o lim, claro, ainda com o assombro na cara.
o diabo na cruz é um romance de manual. desses manuais que definem o gênero romance como o híbrido de todos os gêneros. no diabo na cruz colhem todas as tipologias textuais: parábola, conto, debate, salmo, poesía, refraneiro e escrita técnica [há um fragmento no que é explicado o funcionamento dum motor de explosiom. e eu dou por feito que o repto do autor era escrever prossa técnica em kikuyu].
porém o mais interessante para mim, o que fai o romance mais africano e menos europeu é o uso dos proverbios, das frases feitas: a pressa destraga a batata, a sabiduria fechada no coraçom nunca ganhou um juíço, a melhor vileza é a oculta, quando um branco se fai velho, come tenreira, a felicidade tem boca e estómago próprios e umha peçonhenta dentada. e toda esta proverbialidade nom é um adorno no texto, um toque exótico, senom que se entremete na trama, na estrutura, delineando o discurso e os discursos das personagens.
e o proverbio que preside este post é o que para mim explica a intençom do autor. porque a finalidade do livro está explicitada já na citaçom do início: a todos os keniatas em luita contra a etapa neocolonial do imperialismo. se este é o antílope, ngugi wa thiong'o pretende ser o homem odiado que o delate. e algo odiado é, pois nom pode entrar no seu próprio país.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

o escultor de palavras

KAPUSCINSKI, Ryszard: Poesía Completa. bartebly editores. madrid 2008.

A poesia é algo assim em algumhas pessoas durante um certo tempo algo no interior
Nom tem nada a ver com nada.

faltava a poesia. mas como a emprestei, nom podia falar dela. descubrim que o kapuscinski, ademais de cronista, era poeta [algo transparentava a sua prossa]. e descubrim umha ediçom estupenda, bilíngüe, que ademais de achegar-nos à sua palavra, também nos achega à sua língua.
a poesia de kapuscinski é algo assim como o epígrafe que cito mas nom é isso. é umha búsqueda de sentido, umha definiçom, umha pergunta atirada ao ar. há poemas saidos das duras experiências em guerras, poemas saidos da soidade, poemas nascidos na polónia... e todos simples, directos, tirando de imagens claras e precisas que fam evidentes também a dúvida e o desconsolo.
há vários poemas marcados no volume, mas é este que sigue aquele que transmite o que eu percebim neste poemário:
escrevim pedra
escrevim casa
escrevim cidade

rompim a pedra
rompim a casa
rompim a cidade

sobre o papel as pegadas da luita
entre
a criaçom e o extermínio.


a escritura como espelho da vida e como maneira [a única?] de dar-lhe um sentido à existência. de compreendê-la. de interrogá-la. de exorcizar a dor de viver.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

espelhos

eduardo galeano: espejos. una historia casi universal. siglo XXI de españa editores. madrid 2008

anda de estreia indiana jones e a sua quarta parte. Sei que é o aventureiro que faz o que seja por conseguir que as pezas de arte mais procuradas "estejam num museu, que é onde devem estar". mas vem galeano e conta-nos outras cousas: como os museus europeus estám edificados em saqueio e o roubo, até o ponto de gauguin ter posto, por erro, o seu nome a máscaras de autoria congolesa.
eis o objectivo da obra: fazer-nos ver o quarto traseiro do livro da história, o invês da folha; a parte de atrás do espelho, aquela que realmente reflicte quem somos e dónde vimos, nom o vidro que nos engana com a maquilhagem da história oficial.
esta obra continua o caminho traçado na impresionante memoria del fuego, história de américa em três volumes e em centos de tesselas que constroem um mosaico bastante mais acesível e claro que qualquer manual ao uso.
galeano faz, em espelhos, um percorrido pola história universal, respondendo algumhas perguntas que semelha ninguém ter feito antes e fazendo outras para que outras pessoas as respondam. e é isso, a pergunta, o basamento na construçom do livro: cada texto, cada microhistória, tem origem numha pergunta louca, infantil, de criança inocente ou bêbedo desvergonhado que deixa em evidência o rei espido que é a história apreendida nos manuais.
as perguntas centram-se em três grandes maiorias minorizadas ás que nom atendem os livros: as culturas non europeias, as mulheres e as pessoas negras, aquelas às que o eurocentrismo, o machismo e o racismo, cada um pola sua parte e todos associados, deixárom de lado. Fica bem reflectido nesta história do início:
Fundaçom da Beleza.
Eis as estám, pintadas nas paredes e nos tectos das cavernas. Estas figuras, bisontes, alces, ursos, cavalos, águias, mulheres, homens, nom tenhem idade. Nascerom há milheiros e milheiros de anos, mas nascem novamente quando som olhadas por alguém. Como puderom eles, os nossos remotos avós, pintar de tam delicada maneira? Como puderom eles, esses brutos que a mao limpa pelejavam contra as bestas, criar figuras tam cheias de graça? Com puderom eles debujar essas linhas voandeiras que fogem da roca e vam ao ar. Como puderom eles...?
Ou eram elas?


ainda assim penso que esta história quase universal ficou incompleta na parte que busca ser alternativa ao eurocentrismo: aí faltou-me chicha, achei de menos mais histórias, na banda dos nunca nomeados: indonésios, australianos,...
o mais gostoso: escuitar os textos lidos polo próprio galeano na apresentaçom feita em compostela.

tenho lido mais de galeano, bem, quase todo galeano. o mais recomendável, para o meu gosto:
a memória do fogo [trilogia sobre a história de américa].
de pernas pro ar [reflexom sobre o mundo actual e a sua organizaçom político-económica].

sábado, 10 de maio de 2008

O Imperador

ryszard kapuscinski: el emperador. editorial anagrama. barcelona 1989.

hailu deve de ter começado a pensar.
tornou-se de súbito mui mui triste
.

Sigo de rolda pola áfrica guiada por kapuscinski. tocou-lhe a vez à etiópia e a quem fora a Sua Mais Sublime Magestade: haile selassie, imperador do país durante quase 50 anos.

O livro é umha crónica da queda do império, mas a voz de kapuscinski poucas vezes a lemos [marcando as suas intervençons com letra cursiva]. desta vez, em troca de ser ele o que conta aquilo que viu e viveu, dá a voz a outras gentes; artelha o livro como umha sucessom de testemunhas daquelas pessoas que trabalhárom na corte imperial, perto do imperador. vamos sabendo como era o dia a dia, as rotinas de palácio, as estratégias políticas do rei e dos seus dignatários, das intrigas pacegas, atravês dos depoimentos de antigos funcionários, velhos serventes, ainda fieis súbditos.

o interesse do livro está no choque entre o discurso dos declarantes e a realidade que esse discurso reflicte: a maioria sigue, morto o imperador, a mostrar-lhe fidelidade e respeito e conta da feira entanto lhe foi nela. para eles, o derrocamento do imperador foi obra de mentes subversivas que queriam acabar com a tradiçom. por trás das suas palavras podemos compreender amargosamente a realidade de corrupçom e nepotismo que se vivia na altura no país etíope. surpreende ler como som narrados feitos arrepiantes com a ingenuidade de quem conta umha trasnada na escola. com a mesma naturalidade com a que um pais se lamenta porque o filho deu em pensar outro narra como a polícia colhe cinco estudantes, os atira por um outeiro abaixo mentres lhes dispara para se entreter.

o tom das narraçom chega a ser surrealista e naif, por exemplo quando as testemunhas explicam as suas funçons no paço, desde Portador do Coxim Real, até Encarregado do Séquito... de nom ser, como bem indica kapuscinski numha das suas intervençons, que por baixo desta aparente comédia ou loucura egocéntrica, estendiam-se centos de cadáveres en forma de morte e fame.

leitura muito recomendável.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

nom é que nom leia nom


... é que nom o escrevo.

pode parecer que nom é leitura nem nada, so olhar de fotos, mas nom: a áfrica de sebastiao salgado [taschen 2007] tem muita chicha que roer. Já vira a exposiçom fotográfica em compostela, que me impressionara muito, mas agora ver a colecçom completa, vê-la e revê-la lentamente, sorvendo cada imagem, aprendeu-me muito mais. e os textos de mia couto ajudam. como vim o livro depois de ter lido kapuscinski, resultou o complemento ideal: a primeira parte da obra de salgado está formada por fotografias da independência de angola, essa mesma narrada polo reporteiro polonés. correspondem-se com exactitude fotos deste e textos daquele, textos daquele e fotos deste.

outra leitura foi seda, de alessandro baricco. realizei-na depois de tentar traduzir a primeira página do original em um obradoiro com a sua tradutora ao galego. e depois de ver a película. grande erro. porque a película é destas que de tam fieis que som a um texto, acabam por atraiçoá-lo, fazendo que a posterior leitura da obra narrativa seja feita sem surpresas e perdendo toda a graça que poderia ter. estou segura de que teria gostado muito mais de nom ter visto o filme previamente. mea culpa.



agora ando a fazer-lhe as beiras a mia couto, belén gopegui, kapuscisnki e pierre chaunu. todo a um tempo e misturado. a ver em que acaba...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

mais um dia com vida

ryszard kapuscinski: un día más con vida. editorial anagrama. barcelona 2003.

ainda que nos envolva um oceano de mal, sempre emergerám dele ilhotes verdes e férteis. podem ser vistos, eis os estám, no horizonte.

ando a ler, aos poucos, a obra completa de kapuscinski. e por agora, esta crónica resultou-me ser a mais impressionante.
tenho por costume respeitar a forma original dos nomes das pessoas -fora questons ortográficas liosas, como esses tildes consonânticos do apelido- mas neste caso é o próprio autor quem se galeguiza. ricardo instalou-se em luanda três messes antes da independência de angola [novembro de 1975] para poder narrar todo o processo. ao começo parece fazer-nos um embrulho mental com as siglas dos exércitos, os seus dirigentes e os seus apoios diversos. mas penso que é um embrulho intencionado, que pretende pór em destaque o sem sentido dumha guerra na que nem sequer os uniformes dos inimigos som diferentes uns dos outros.
kapuscinski acompanha-nos num passeio por toda a angola, desde a capital sitiada, isolada, despovoada e sem água até vários dos frentes de luita. é um passeio nom por agradável -algumhas das situaçons testemunhadas som realmente duras- mas porque a sensaçom que tes como leitora é a de visualizar com exactitude todo aquilo que nos apresenta.
umha das passagens das que mais gostei foi descriçom da cidade em caixas: luanda recolhida e embalada em caixas de madeira por todos os colonos que pretendiam levar enseres e móveis na sua fugida cara o brasil ou portugal... ou aquela em que narra a volta desde pereira de eça, atravessando o mesmo frente de guerra, para poder chegar a luanda e poder transmitir a entrada na guerra do exército sudafricano. a narraçom consegue que leamos tensionados toda a passagem, compartindo o perigo com o jornalista e os seus camaradas.
um elemento que me agradou da obra foi o feito de posicionar-se claramente o autor: ele esta com o mpla. se durante a sua estância no país actuou profissionalmente mantendo certa equidistância, na crónica pessoal claramente se coloca do lado do movimento popular. e podemos compreendê-lo ao lermos a última parte da obra, em que kapuscinski elabora um ressumo histórico-político da situaçom angolana desde a ocupaçom portuguesa: o mpla é o único dos movimento de independência que nom segue princípios étnicos/racistas.
enfim, livro mui recomendável para quem queira saber de angola, de guerras e de soidades sem deixar de sentir.

outras obras que já lim de kapuscinski:
ébano
a guerra do fútebol

sexta-feira, 28 de março de 2008

minho

franciso x. fernández naval: miño. espiral maior poesía. a acoruña 2007.


Agora sei. non hai horizonte nin retorno, tan só o vapor das pedras.

de francisco fernandez naval tinha lido un poemario, mar de lira, preciosamente acompanhado de fotografias de maribel longueira, que também acompanhou um outro poemário do que gostei imenso, o papagaio de luisa villalta. tenho no andel dos livros pendentes um dias de cera ao que ainda nom lhe entrei.
gostei deste minho, ainda que penso que me decepcionou algo, pois mar de lira me deixara un intenso bom sabor de boca. vê-se nisto o que influem os momentos de leitura na recepçom dumha obra, pois aquele poemário o lim depois de ter vivido em muros e de ter limpado chapapote nesse mesmo mar de lira. com o rio minho nom tenho essa relaçom empática.
minho nom é umha viagem a ourense, nem ao rio, mas à infância, à neinice do eu poético, que vai rehabitando espaços, momentos, pessoas, acompanhando-se do rumor do rio, porvezes perto, porvezes ao longe, porvezes gorgulhando nele directamente, e sempre presente. mas a viagem à neinice está feita desde o presente, tirando lecçons da vida vivida, recolocando pormenores na paisagem, percebendo o despercebido outrora. em muitos casos testemunhando a decepçom.

sexta-feira, 21 de março de 2008

querer ser deus


etgar keret: o condutor de autobús que quería ser deus. rinoceronte editora. cangas 2006. traduçom de moncho iglesias míguez.

dous dias depois de suicidar-me atopei trabalho aqui numha pizzaria que se chama Kamikaze e que pertence a umha grande cadeia. assim começa a segunda parte desta obra e penso que assim se define toda ela: surpresa, humor e irreverência.
o livro está dividido em duas partes, ou nom. no começo encontramo-nos com quatro contos curtos para seguir com umha novela, um conto longo, ao que dá início a frase que inaugura este comentário. para mim é esta novelinha, a colónia de vacaçons de kneller, o melhor do livro. muito rim.
depois de ler o orientalismo de said, veu-me bem gorgulhar-me na obra de um autor israeli. porque depois de ler sobre imagens e topicadas sobre o oriente, hei de admitir que a minha ideia geral do israel está filtrada pola situaçom da palestina. porvezes esqueço que provavelmente israel seja algo mais que judeus ultraortodoxos hiperarmados, igual que esqueço que nos usa tem que haver um outro mundo que nom representa bush.
ler este livrinho desperta os sentidos e fai-nos ver a heterogeneidade das sociedades. e fai-me lembrar umha cousa que nos dixo a salma quando falamos com ela: que lá onde há opresom há gente a luitar contra ela. neste caso poderia-se dizer que lá onde há fanatismo religioso há pessoas a desmitificar a importância da religiom. assim, os soldados israelís que se suicidam durante o serviço militar compartem espaço des-terrenal com os terroristas suicidas árabes: a ironia nom pode ser mais grande.
deus e a religiom som nomeados de contínuo nos contos de keret, mas os cabritos nunca aparecem. como na vida.

quinta-feira, 20 de março de 2008

orientalismo



edward w. said: orientalismo. editorial debate. madrid 2002.

para umha pessoa que nunca viu oriente, disse nerval umha vez a gautier, um loto sempre será um loto: para mim é só umha espécie de cebola

orientalismo é umha monografia de quase 500 páginas. por vezes se me fijo dura de digerir, nom pola ser hermética a linguagem usada por said, todo o contrário, mas porque o seu mundo de referências nom é o meu. todos os autores que utilizou como base da sua análise som para mim desconhecidos, ou eles em si, ou as obras concretas que analisa [no caso de flauvert, nerval...] e isso enredava um pouco o caminho.
nom assim a clareza expositiva do autor. pois, apesar dessa minha dificuldade dei em ler todo o livro e penso que percebim aquilo que said queria transmitir.
orientalismo trata da representaçom do oriente no ocidente, concretamente nas culturas francesa e británica. mas o interessante da obra nom é isso. poderia ter sido umha nómina de tópicos e ideias prefixadas sobre o oriental com exemplos procurados na literatura, na história, ciência: porém, said vai além desta ideia, daí o rompedora que foi esta obra no seu momento. três elementos destacaria de orientalismo, para tomar nota de cara as minhas pesquisas:
  • primeiro: said nom trata de antologizar umha ideia equivocada do oriente contrastável com a realidade tangível de oriente; precisamente o que ele defende é que nom pode haver imagens reais do oriente porque todas e qualquer delas som isso, imagens, representaçons, construçons que podem ter que ver com a realidade e podem nom ter que ver.
  • segundo: demostra como umha determinada imagem de oriente foi construida e utilizada polo imperialismo para fazer o seu labor de apropiaçom e colonizaçom de territórios reais, com a consciente e explícita colaboraçom dos intelectuais do campo. se nebrija dizia que a língua era companheira do império, said afirma que o orientalismo é cúmplice do imperialismo.
  • terceiro: faz umha reflexom-crítica sobre os males que o positivismo e o cientifismo figérom à humanidade. o orientalismo revestiu boa parte das suas teorias mais discriminatórias e racistas com umha pátina de cientificidade que as figêrom parecer verdade indiscutível, e que difcultárom a luita contra elas -pensemos no darwinismo aplicado às culturas.
a ediçom que eu lim é do ano 2002, o qual é umha sorte, pois conta também com um epílogo [de 1997] do próprio autor no que este revisa a recepçom que a obra tivo no momento da sua primeira publicaçom [1977].

quinta-feira, 13 de março de 2008

ghats


manuel martínez: ghats. candeia editora. compostela 2007.

ghats é um livro de viagens. mas um livro um algo diferente. porque nom fala com palavras mas com imagens.
nom percebim o título quando o vim. supugem já de entrada que seria um vocábulo hindi, e dei por feito que era explicado no interior do volume, em algum dos textos [de antón lopo, anxos sumai, xerardo fernández e roberto ribao] que o acompanham. e nom. eis o interesse da obra. porque é um livro que nom resolve perguntas, mas que interroga sem dar respostas.
ghats reflicte umha viagem à índia. mais em concreto à cidade de varanasi, à beira do rio ganga. a cidade que aparece nas fotos nom é cidade santa nem a cidade turística, nem sequer é a cidade: som as pessoas que a habitam, melhor todos os seres, pessoas e animais: mulheres, homens, crianças, vacas, cabujas... todas a fazer a sua vida e quase sempre com os ghats ausentes, fora do foco da cámara, como a morte.
fermosos os textos. gostei em especial do de anxos sumai.
eu, que levava uns messes a procurar um livro de viagens que me contasse da índia desde outros olhos diversos dos meus, pois foi a minha viagem deste verám passado, acabei por dar com ele na minha língua e numha pequena editora galega.

quinta-feira, 6 de março de 2008

o livro negro do colonialismo


marc ferro [dir]: El libro negro del Colonialismo. la esfera de los libros. madrid 2o05.

o livro negro do colonialismo é umha obra colectiva. umha equipa de historiadores/as revisa a história do colonialismo desde o século XVI até a actualidade, parando em etapas conhecidas [o imperialismo ibérico, a trata de escravos e a escravatura, a ocupaçom europeia de áfrica...] e outras que nom o som tanto, quando menos para mim.
afeita como estou ao eurocentrismo vim, com esta obra, que este nos afecta para bem e para mal. neste caso, tanto foi falado e estudado o colonialismo europeu, que muitas de nós desconhecemos outros colonialismos que tenhem operado no mundo mas aos que nom atendemos porque só nós podemos ser os maus, ou porque temos en tam pouca consideraçom o outro que nem sequer consideramos a possibilidade de que também pode fazer animaladas. Ler um pouco sobre as acçons colonialistas da rússia ou japom, ajuda a compreender que o do colonialismo é um fenómeno de grande alcanço e, por desgrácia, nom exclusivamente ocidental.
a obra está dividida em cinco partes, todas elas bem interessantes:
  • O extermínio, onde som revisadas as políticas de destruçom da povoaçom caribenha, indio-americana e aborígem da austrália. O capítulo adicado a este último grupo pareceu-me impressionante, sobretodo porque ainda hoje o estado australiano [e a povoaçom maioritária] semelha nom aceitar a história e negar a sua responsabilidade.
  • A trata e a escravatura, onde se faz un percorrido sobre este fenómeno, achegando-nos também as prácticas de escravatura anteriores à descoberta americana.
  • Dominaçons e ressistências, em que se fam achegas aos processos coloniais em diversos pontos do planeta e com protagonistas diversos [colonizadores e colonizados]. A mim chamárom-me muito a atençom os capítulos adicados à índia, indochina e ao apartheid sudafricano, mas penso que mais pola minha ignorância prévia que porque destaquem em qualidade sobre o resto.
  • A sorte das mulheres, capítulo adicado em exclusiva às sempre esquecidas.
  • Representaçons e discursos, onde som revisados os discursos e contradiscursos edificados en volta do colonialismo, tanto na história e na literatura como na cançom ou no cinema. aqui faltou-me quiçás um pequeno percorrido pola imagem, pola plástica. faltam-me na obra mapas, fotos, debujos, quadros, que há muitos, e mui significativos.
Com se pode comprovar, a obra é ampla e completa, abordando muitos elementos e ofrecendo-nos algo máis que umha visom única e exclusiva.
Eu comprara o livro interessada em conhecer melhor os colonialismos ibéricos e as suas características, mas fum-me deixando levar e, com tempo, uns messes, dei em ler a monografia completa [som quase mil páginas].