quinta-feira, 25 de agosto de 2011

o dia de amanhá

ignacio martínez de pisón: el día de mañana. seix barral. barcelona 2011.

duas recomendaçons, mas as duas tam entusiastas que acabei por encarregá-lo, mercá-lo e lê-lo. aos poucos, dosificando. levou-me três dias porque me neguei rotundamente a devorá-lo numha tarde.

e comparto.

penso que é um livro boíssimo. onde nom sobram palavras. onde nom sintes a falta de nengumha. onde cada intervençom tem sentido: ajuda a ver a imagem do puzzle e faltando ficaria um oco descuberto na mesa.

gostei da singeleza do estilo, da combinaçom de vozes (homens, mulheres, vítimas, cúmplices, ricos, pobres, burgueses, currantes...) e a ausência, total, da voz do protagonista. porque é um livro com um claro protagonista, justo, ao que nunca, nunca, podemos escuitar directamente. 

essa é, para mim, a fortaleza do romance. o fácil seria colocar ao mau dando o discurso explicativo-justificativo, tipo eu nom sou mau, o que passa é..., ou bem hahahahahaha, olha que mau que fum!. martínez de pisón nom faz nem umha cousa nem outra. coloca um prota que nunca se defende nem se justifica nem se explica nem pressume nem objecta. nada. e faz-no de umha maneira magistral.

todas as testemunhas que falam de justo tenhem ademais a sua própria história. e este é outro dos acertos da obra, claramente estrutrada: cada testemunha introduze a sua vida antes de explicar a sua relaçom com justo, e essas introduçons som novas tesselas que ajudam a construir o mosaico da vida na barcelona franquista dos anos 60 e 70.
enfim, leitura mui mui recomendável.




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

ares bem difíceis

almudena grandes: los aires difíciles. tusquets. barcelona 2002.

para mim resultou, sobretodo, um livro tristíssimo sobre pessoas tristíssimas. e nom um triste livro, que é diferente. 
dúas pessoas decidem refazer as suas respectivas vidas mudando-se a umha nova urbanizaçom a pé das praias gaditanas. ela, sara, foge sozinha, ele, juan, fai-no acompanhado da súa sobrinha orfã e do seu irmão retrassado. a mulher que faz a limpeza em ambas as casas exerce de canle comunicante entre elas. 
e vamos lendo e descobrindo que todas as pessoas que habitam os dous chalés resultam seres solitários e abandonados na vida. seres que escondem segredos, medos e angústias que cada amanhá tencionam simular sob a máscara da normalidade. 

a base da narraçom está nas analepses que rebordam cada capítulo. em cada um deles assume a perspectiva da narraçom umha das personagens que vai trazendo ao presente memórias dos momentos que marcárom a sua vida e forçárom a sua chegada a esse recanto do sul. 
e seguimos lendo e seguimos conhecendo os interiores desolados dumhas pessoas para as que, o difícil, nom é resistir a lestada ou o vento de poente, mas a dor de respirar o ar cada três segundos. 

duas únicas pexas: ao começo faziam-se-me pesadas e repetitivas as contínuas metáforas e comparaçons com que a narradora acompanhava os comentários sobre a situaçom anímica das personagens. com o avanço da leitura afigem-me, e até me parecérom necessárias.
e o final, para mim contraditório com a imagem que se constrói previamente de sara, a protagonista. a sara que imos conhecendo, ou que eu creio conhecer após a leitura, nom deixaria entrar ao polícia tam alegremente na sua casa, e menos o deixaria só com afonso conscientemente. deveria ter acontecido doutra maneira. 

em todo o caso, penso que esta mulher é umha grande, nunca melhor dito, escritora.

o jardim esquecido

kate morton: el jardín olvidado. suma de letras. madrid 2010.

nom sabia que era um best-seller. soube-no depois de lido. é bom deconhecer estas cousas, porque eu sou umha leitora fundamente prejuiçosa.  

do livro gostei. a trama engancha. há três épocas, três protagonistas mulheres, e um conflito comum. a mais nova de todas elas, a da época actual, busca dar soluçom a um segredo familiar, que nós imos conhecendo da mão das suas pesquisas e das outras narraçons cruzadas com a principal. 

o livro está bem construído. dá as suficientes falsas pistas para manter a atençom do leitor, mantém a intriga, e penso que as contextualizaçons ambientais (essas ribeiras londrinas, que recordam as crianças de dickens, as mansions vitorianas da austen) estám bem logradas. bebe de múltiplas fontes, surpreedentemente pouco australianas, para dar com um cóctel que seduze e atrapa. 

sobrar sobrárom-me os contos de fadas: demasiado artificiosos.

também é certo que nom lhe pedim mais...



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

leituras demoradas: de cóleras e chocolates

gabriel garcía márquez: el amor en los tiempos del cólera. mondadori. barcelona 1999.
laura esquivel: como agua para chocolate. debolsillo. barcelona 2003.

o tempo nom deixou de passar por estas duas obras. forom escolhidas para ler no clube de leitura de papás e mamás do licéu. já tinha lido as duas há umha cheia de anos. a de garcía márquez guardava na memória o primeiro posto em preferências (descontado os cem anos, que som antológicos). da de esquivel guardava mais memória das imagens do filme, visionado no cinema yago de compostela que da narrativa, mas a memória era positiva e carinhosa. 
porém o tempo passou, a vida por mim e polos dous livros e a leitura já nom foi a mesma. odeio florentino ariza. nom sei como puidem gostar de semelhante machistada senimental. essa ideia de que podes ter um amor eterno, a um tempo folhar com quanta mulher se ponha diante, e ter a desfachatez de afirmar que te mantés virgem para a amada porque as outras nom tenhem valor. o que mais raiva me dá é pensar que na primeira leitura nom prestei atençom a isto, mas todo o contrário, ficou em mim a ideia de que o amor era isto que reflectia o romance. a posiçom do narrador tem a suficiente ambiguidade como para que a discusom no clube fosse se essa era a educaçom sentimental que defendia garcía márquez ou realmente ele quis denunciar esse concepto do amor e das relaçons entre homens e mulheres. como admiro garcía márquez, opto por defender o segundo.

o mesmo me aconteceu com o livro da esquivel. se isso é o amor, mamaínha!
e outra cousa encontrei em comum entre as duas obras: demasiados adjectivos. descubrim que agora mesmo prefiro os estilos menos barroquizantes. a singeleza narrativa é mais do meu gosto. e em ambas a obras tivem a sensaçom de adentrar-me numha selva rebordante de cheiros, aromas, cores e tactos, para mim de mais. vam-me mais os prados e as veigas. sem excessiva vegetaçom.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

náufrago do paraíso

marcos calveiro: lois pereiro.náufrago do paraíso. xerais. vigo 2011.

dentro da vorágine de livros adicados ao autor das letrasgalegas de cada ano, caeu-me este nas mãos em forma de presente. é um desses livros de encarga, suponho, pois está editado na colecçom fóra de xogo, dirigida a público juvenil. é dizer, um livro feito para licéus de secundária, basicamente.
entrei na leitura sem muitas expectativas, sem aguardar nada, mais bem com o morbo de ver como defrontava o autor dumha maneira politicamente correcta, a tam pouco politicamente correcta mocidade, luita e morte de lois pereiro. 
e chegou a surpresa. o primeiro lance deixou-me k.o. umha conversa entre duas velhas num cemitério.  impressons ante o epitáfio de lois. essa frasse nom era para pór aqui... boíssimo!
com muito acerto, penso, o autor coloca-nos ante umha biografia dramatizada (apresentam-na na contra-capa, como guiom cinematográfico, mas em realidade cumpre com todas as normas do teatro). pequenas cenas que recolhem momentos concretos, anedotas ao longo da vida de lois pereiro que conseguem, penso, que quem lê se faga umha imagem poliédrica do poeta. para mim, o único que fica curto é precisamente, a antologia poética.

umha encarga bem cumprida, sim senhor.

leituras demoradas: ayes deste meu país

j.l. do pico orjais e isabel rei sanmartim: ayes de mi país. o cancioneiro de marcial valladares. dos acordes. baiona 2010.

nom sei música. nada de nada. nem sei solfejar e seique nem tenho ouvido (diz meu pai), ainda que me esforce em aprender toques e cantos de pandeireta. e por que merquei este livro (e lim, claro), se é de música? umha, porque umha das autoras é isabel, amigha guitarrista que apreço muito; duas, porque o outro autor nom o conheço persoalmente, porém sigo atentamente as suas andanças através da internete. e três, porque estudam parte da obra de um senhor (reitegrata fundacional) que também admiro, o valladares. triplo compromiso, portanto.

ayes de mi país consiste numha ediçom fac-simile do cancioneiro popular que marcial valladares tinha recompilado meado o século xix. o interesse deste cancioneiro está no feito de conservar letras e partituras musicais. para mim, como já digem, ignorante na arte de solfejar e diferenciar graves e agudos, fusas e semi-fusas, podia ter o interesse das coplas e letras recolhidas. era-me avundo.

mas entrei na introduçom. os autores tencionam explicar-nos o contexto social e cultural em que este cancioneiro tem nascido. tencionam e conseguem, porque a sua achega resulta do mais interessante. 
na zona da estrada sempre houvo umha funda tradiçom musical popular, som várias (e fôrom mais) as bandas de música e muitos mais os grupos de música tradicional, os coros e ruadas, etc. e saber que numha casa labrega rica, como a de marcial valladares, havia tanta variedade de instrumentos, tanto gosto pola música, ajuda a comprender essa tradiçom. 
as cousas cobram o seu sentido quanto mais conheces. e é muito importante focar a atençom nesses trabalhos aparentemente marginais (centrados como estamos muitas vezes no labor literário ou historiográfico de certas figuras) para ter umha visom mais completa do que foi a posta em valor da cultura galega no xix. 

enfim, que eu saquei proveito do livro sem saber de música. imaginai aquelas que tenhades mais cultura musical ca mim... 

leituras demoradas: as terras imaginadas

guillaume duprat: el libro de las tierras imaginadas. oniro. barcelona 2009.

se alguém pensa que os medievais andavam loucos por pensar que a terra era plana ou colombo algho chaveta por defender que tinha forma de péra, que leia este livro. 

o livro das terras imaginadas é um delicioso passeio, para quem goste de mitologias e geografias, por distintas imagens da terra para múltiplas culturas do planeta: terras suportadas por dragons, serpes, elefantes, peixes, tartarugas, árvores, terras que flutuam no ar, num mar eterno, numha pota de sopa, terras acovilhadas em baús, terras em terra...

o autor divide o livro em capítulos, agrupando as terras geometricamente: poligonais, circulares, esferoidais... cada descripçom vai acompanhada dumha cuidadíssimas ilustraçons e um monte de lapelas a esconder segredos e surpresas.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

um mundo de mamás

marta gómez e carla nazareth: un mundo de mamás. comanegra. barcelona 2009.

merquei-no para regalar a umha mamá, mas antes lim-no. 

e foi umha pequena decepçom. porque aguardava algo estilo princesas esquecidas.
e assim como das ilustrações gostei muito, os textos nom acabárom de convencer-me. parecérom-me bastante repetitivos (mesmas cores, mesmos adjectivos, mesmas referências sensoriais) e, em geral, e acabando pronto, um algo melindrosos. 

leituras demoradas: maus tempos

carlos giménez: todo 36-39. malos tiempos. debolsillo, random-house mondadori. madrid 2010.

pensava que a capacidade de debulhar o horror da ditadura franquista estava totalmente desenvolvida no paracuellos que este homem guionizou e desenhou. pode ser. 
mas também hei de aceitar que nom tinha falado do horror da guerra. e esse está aqui, nesta compilaçom de todos os cadernos adicados a contar-nos como vivêrom a guerra en madrid, nesse madrid bloqueado e sitiado polo fascismo e que acabou por render-se à evidência de que o mal, quase sempre, trunfa.
as histórias de malos tiempos tenhem como protagonista umha família normal dum bairro normal de madrid. pai, nai e quatro crianças. pai operário numha fábrica de roupa, nai cuidadora da casa. pai afiliado ao partido socialista. simplesmente. 


através deles, sobre todo das crianças, sabemos dos bombardeios, da fame, das luitas no frente tam afastado que está só a um par de ruas, das mudanças obrigadas polos destroços das bombas e a necessidade de anonimato, da fame, da escaseza e as enfermidades, da irrupçom da tuberculose, do fanatismo, da fame.
e da tenrura e o humor e o amor e a solidariedade. da dignidade das vítimas que renúnciam ao pam do inimigo.
e um epílogo magistral do autor no que se reivindica como historiador objectivo mas nom por isso neutral. 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

leituras demoradas: o sha

ryszard kapuscinski: el sha o la desmesura del poder. anagrama. barcelona 2007.

tanto me tem se era exagero ou nom, se era mentira ou se as fontes era descuidadas e manavam tóxicos. tanto me tem que kapuscinski seja apontado polo dedo de alguns assegurando que nom dizia a verdade. porque é possível que nom conte toda a Verdade (por umha vez usarei maiúsculas), mas certo é também que diz grandes verdades e mui bem ditas.
de pérsia pouco sei: lembro a presença habitual nas revistas do coraçom, para mim impactante, de soraya, a princesa dos olhos tristes. pouco mais. muito tempo depois chegou a leitura de persépolis e todo aquilo de marjane satrapi que me caisse nas maos.
botei-lhe o dente a este livro sobre o sha quadrando com as mobilizaçons no magreb e as do quinze-eme. e nom puidem evitar a sensaçom de que aquilo que lia nos jornais tinha muito que ver com o que lia em kapuscinski.  

quando se fala da queda da ditadura (e o regime do sha tinha sido umha ditadura particularmente brutal e pérfida) nom pode ter-se a ilusom de que com ela acabe todo o sistema, desaparecendo como um mal sonho. em realidade só acaba a sua existência física. porém, os seus efectos físicos e sociais permanecem, vivem e durante anos fam-se lembrar, e incluso podem ficar em formas de comportamentos cultivados no subconsciente. a ditadura, ao destruir a inteligência e a cultura, deixa detrás de si um campo baldeiro e morto no que a árvore do pensamento tardará muito tempo em florescer. a este campo ermo saem dos seus esconderijos, dos recantos e das fendas nom sempre os melhores mas, amiúde, aqueles que resultárom ser mais fortes; nom sempre aqueles que traerám e criarám novos valores senom aqueles aos que a sua dura pele e resistência interior permitiram sobreviver. nestes casos a história começa a virar num trágico círculo vicioso e ás vezes é preciso um século inteiro para que poida sair dele.  
referia-se ao irám, mas eu pensava que falava do franquismo e do que nos veu em cima (está vindo) depois.

roubavam todos os que ostentavam algum poder. se alguém que, ocupando um cargo importante, nom roubava, criava-se em torno dele um baldeiro: despertava suspeitas. todos diziam dele: "seguro que é um espia que nos foi enviado para denunciar quem rouba e quanto, porque estas informaçons som necessárias para os nossos inimigos". em quanto podiam, desfaziam-se do homem que lhes atrapalhava o jogo. deste modo chegou-se à inversom de todos os valores. quem tratava de ser honrado era acusado de ser confidente a soldo. se alguém tinha as mãos limpas, devia agachá-las o mais profundamente possível. o limpo levava consigo algo de vergonhento, de ambíguo.
referia-se aos negócios do sha e os seus amighos, mas eu pensava que se referia corrupçom que (camp)a na galiza e nas espanhas.

a experiência tinha-lhes aprendido que deviam evitar pronunciar em voz alta palavras como agóbio, escuridade, peso, abismo, trapa, lamaçal, descomposiçom, gaiola, relhas, cadeia, mordaça, moca, bota, mentira, parafuso, peto, pata, loucura, e também verbos como tombar, assustar-se, plantar-se, perder (a cabeça), desfalecer, debilitar-se, ficar cego, xordo, afundir, e incluso expressons (que começassem com o pronome algo) como algo nom quadra, algo nom encaixa, algo vai mal, algo rachará, porque todos estes substantivos, adjectivos, verbos e pronomes podiam constituir umha alusom ao regimem do sha, portanto eram um campo semântico minado que avondava calcar para choutar polos ares. 
falava do medo à savak, a polícia política do sha, mas eu pensava que se referia à pressom que ainda hoje há para nom dizer em voz alta certas palavras (como independência, laicidade, feminismo, ditadura franquista, tortura...)

umha leitura muito recomendável.

leituras demoradas: conquistadores do horizonte

felipe fernández-armesto: los conquistadores del horizonte. una historia mundial de la exploración. destino. barcelona 2006.

levou muito tempo esta leitura. um senhor livro de mais de quinhentas páginas, que fum debulhando pouco a pouco desde o verám passado. trata-se dumha obra divulgativa, um recorrido por todo o planeta através de todas as explorações havidas e por haver. 

a mim resultárom-me do mais interessantes as páginas adicadas ás primeiras explorações, aquelas que estendérom a espécie humana pola terra, e aquelas adicadas a explorações nom-ocidentais: as chinesas (interessantíssimas), as arábigas, as da oceania, etc.

andava eu felicíssima de ter dado com um livro des-eurocentralizado, que dava atençom a outros pólos culturais e valorizava as suas descobertas e achados, ainda que esta posta em valor implicasse romper com tópicos sobre a superioridade do européu ou o ocidental. nessas andava, sim.

e depois de tantas páginas lidas, de tanto aprendido em cada capítulo sobre ventos e correntes e arte de navegar, o triste é que só me quede com o poder que o patriarcado (por nom dizer o sexismo puro e duro) exerce sobre as pessoas. incluso sobre aquelas que parecem presentar umha grande apertura intelectual. 

vejamos. o autor pom em valor o labor de guias indígenas para explicar o conhecimento e o acesso ao território americano por parte dos européus: Un indio llamado Nigual trazó para Francisco Valverde de Mercado, en 1602, un mapa esquemático de Nueva España que se ha conservado hasta nuestros días. Los iroqueses usaron... que bem!, penso eu, alguém que tem em conta aos índios! mas chegamos a este fragmento: Cortés ha sido sobrevalorado como conquistador. Fue una coalición de pueblos indígenas la que derrocó a los aztecas (ó, nom é chovinista!, estupendo!). Parece que esa alianza fue tramada no tanto por Cortés como por su amante indigena, que era también su intérprete y la única persona que podía comprender lo que ocurría en el terreno diplomático. e chega, primeiro o baixom, e depois, ou com ele, a indignaçom. 

duas machistadas comete o autor numha frasse: negar o nome a umha pessoa e antepór a sua (suposta) relaçom sentimental com um homem à sua relaçom social/profissional. já que o tratamento dado a outras pessoas indígenas que aparecem na obra é do mais respectuoso, temos que entender que esta inferiorizaçom da malitzim e por ser ela mulher, nom por ser mexica.
como um homem que demostra estar mui documentado (o livro acompanha-se de vinte páginas de notas bibliográficas) pode nom saber o nome de malinalli tenepatl? malitzin, malinche ou dona marina som outros dos nomes da intérprete de hernão cortés. se era a sua amante ou nom nom é assunto de um tratado sobre explorações marítimas e terrestres, igual que nom nos importa se o nigual da anterior citaçom era homosexual, por exemplo.

O sonho da Malinche, de António Ruíz, 1939

com esta machistada conseguiu que eu pugesse em questom toda a sua obra. eu pilhei-no num renúncio em um tema que conheço mais ou menos bem, por tê-lo estudado pormenorizadamente (a conquista de méxico por hernão cortés). que mulheres nom terá ignorado noutras partes? a quantas nom terá dessabido?

depois da meianoite

salma: despois da medianoite. xerais. vigo 2011.

a leitura da estranheza. umha estranheza consciente. porque podia recorrer ao glossário final que maría preparou para nós, leitoras de cultura alheia. porque tenho contacto com pessoas de támil nadu que poderiam resolver-me dúvidas culturais. porque eu mesma visitei támil nadu e soubem da situaçom de tantas mulheres como rábia ou wahida. mas optei por fazer umha leitura desde a estranheza porque isso quer este livro e isso quigérom a autora e a tradutora.
estranheza polo léxico, por essa abafante presença do támil in-traduzido, pola minuciosa descriçom de costumes que nos som alheios, cultural e religiosamente, pola sobreabundância de nomes de mulheres e tias e filhas e nais e vizinhas que fam que perdas o fio e nom o deas encontrado até bem avançada a leitura, pola enormidade da narrativa, 640 páginas que se dizem bastante mais rápido do que se lêm. enfim, umha leitura estranha e difícil.

e resulta que nom. que o romance envolve, a história atrapa, passeninho, porque nom semelham passar grandes cousas. a fim de contas estamos a falar da vida pobre dumhas mulheres num recanto do mundo, com um quotidiano limitado a cozinhar, parir e cuidar da honra familiar.  

e desde o começo percebes como depois da meia-noite, nas sombras, acovilhadas entre a rotina dos dias, vam discorrendo vidas autênticas con conflitos iguais, semelhantes ou paralelos aos deste outro recanto do mundo que nom nos é estranho nem no léxico nem nos costumes religiosos e culturais nem nos nomes de mulheres e tias e filhas e nais e vizinhas. 

porque se algo sacas da leitura é que as inquedanças que abafam e animam ás mulheres pobres e musulmás de támil nadu nada tenhem de exóticas e em pouco se diferenciam das inquedanças que abafam e animam á mulheres ricas, ocidentais e católicas de qualquer aldeia do rural galego.

bençom, salma.

a evoluçom de calpúrnia

jacqueline kelly: la evolución de calpurnia tate. roca editorial. barcelona 2010.

o outro dia merquei uns choquinhos para o jantar. mentres os limpava deu-me por observá-los atentamente. queria saber em que se diferenciavam de luras e jíbias e potas e demais especimes que geram tantos debates arredor da mesa sobre o seu nome e formas verdadeiras. botei uns minutos paponeando para os bechinhos.

por culpa da calpúrnia. dias antes acabara a leitura da evoluçom de calpúrnia tate, um romance que conta a história da relaçom da menina que dá título á obra com o seu avó. com ele aprende a interessar-se polo mundo que a envolta e aprende a arte da observaçom e da curiosidade. só que calpúrnia vive dacavalo entre os séculos xix e o xx e isso de ter curiosidade e interesse na ciência nom é cousa de meninas casadeiras de boa família. 

os intuitos observadores da protagonista nom param nos insectos, roedores, plantas ou flores que encontra ao seu passo, nos passeios que dá com o avó dumha mao e darwin da outra. o interessante da narraçom é que a sua capacidade observadora leva-a a questionar a sua situaçom na família e na sociedade, a ver as evidentes desigualdades entre ela e seus irmãos, na educaçom recebida, nas expectativas de futuro, etc. e arreponher-se a essa situaçom.

ao livro chegamos através do clube de leitura, pois se complementava mui bem com a emília das últimas sessons deste curso: a da expediçom ao pacífico de marilar aleixandre. que conste que me encheu mais esta calpúrnia.