terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

o inimigo

serge bloch e davide cali: el enemigo. ediciones sm. madrid 2008.

Sempre gostei especialmente dumha obra tetral de arrabal: pic-nic. nela o autor dá a ver como nom há nada melhor para evidenciar o sem-sentido dos conflitos armados e o afám belicista das pátrias várias que levar essa guerra ao absurdo. em pic-nic, umha parelha decide ir passar o domingo com o seu filho. isto seria de todo normal, de nom ser porque o filho lá está, no frente de combate, a defender umha trincheira.
este album ilustrado recordou-me a obra arrabaliana. a base do argumento é a mesma, só que desaparecem as personagens comparsa, secundárias para ser reduzidas a só umha: o soldado só no seu fojo.
a eliminaçom de personagens beneficia a história porque faz mais patente a soidade na batalha. teoricamente o soldado forma parte dum colectivo, o nosso exército, mas esse nosso exército nunca aparece: os camaradas, os chefes, os companehiros,os colegas, estám ausentes em todo momento. ele está sozinho.
sozinho se nom for polo inimigo presente do outro lado da página mas nunca visível. terrorífico. assassino. igual que ele.
e o soldado lucubra sobre a maldade do inimigo, e cresce o medo no seu interior, e se o inimigo ataca? é monstroso! e se o inimigo quer acabar com a rotina matando-o? é malvado! também pensa na possibilidade de fazer a paz com o inimigo. mas isso é impossível! o inimigo só quer a súa aniquilaçom!
nestes pensamentos passa-se o tempo. até o soldado tomar umha decisom...

o álbume é toda umha exemplificaçom de como é construída a imagem do outro como um perigo, como é alimentado o medo, e a quem prejudica toda esta construçom: ao soldadinho só sumido numha trincheira de malevosos espelhismos.

e as ilustraçons, perfectas. combinam-se diversas técnicas de maneira a diferenciar o espaço exterior [um campo de batalha imaculado, baldeiro] e o interior [a trincheira habitada] e faz que apareçam como parte física do livro, do papel.

na faixa de gaza...

Joe Sacco: Palestina. En la franja de Gaza. planeta dagostini. barcelona 2007.

as pedras dam-lhe umha cor de derrota às heroicidades de ramala.

as leituras neste blogue nom tenhem continuidade cronológica exacta. nom passei de miguel anxo murado directamente a joe sacco. nom ando monográfica palestiniana. entre um e outro ficam toda umha série de leituras lentas e inacabadas que irám aparecendo por aqui [aguardo].

palestina pertence ao gênero da banda desenhada. e ao gênero do documentário. e ao gênero do jornalístico. a todos eles.
joe sacco faz de sim mesmo umha personagem da história. pois palestina nom é outra cousa que a crónica da viagem de um jornalista/autor de quadrinhos à caça da imagem impactante, da história perfecta e sanguinolenta na catástrofe de gaza. coloca-se a sim mesmo como o caçador de enquadramentos, o pescador de báguas, o predador de desgraças. é para mim este um dos acertos do livro, pois essa distância aparente do protagonista-narrador, esse humor cínico ou cinismo humorístico, nom saberia dizer, enfatizam o horror que debulham textos e imagens.
o livro está dividido em nove capítulos que se correspondem com outros tantos volumes de banda desenhada que o autor escreveu depois de viver em palestina durante dous meses, lá pola primeira intifada. em cada um desses capítulos podemos escuitar e ver os testemunhos de toda caste de pessoas afectadas polo conflito palestino. bem é certo que practicamente todas as testemunhas som palestinianas, mas nom por isso o autor deixa de dar eco a vozes israelianas.
isto é para mim o melhor. o autor deixa patente a sua obsessom por escuitar a todas as vítimas: a velha que viveu a expulsom do 48, os presos sem julgamento de ansar III, os feridos humilhados de caminho ao hospital, os torturados em interrogatórios oficialmente inexistentes, as famílias dos mortos, a mocidade protagonista da intifada, os labregos que vem arrincados as oliveiras, e sobretodo, para mim, as feministas, as pessoas minusválidas...
ao começo da leitura nom gostei dos desenhos: semelhavam agressivos, tudo branco e preto, faces muito marcadas, primeiros planos demasiado achegados; mas com o avançar da leitura, dei em ver que é esse estilo de desenho que condiz com aquilo que a história narra. a putrefacta lameira do campo de refugiados de jabaliyah nom pode estar melhor reflectida que nesses traços grisonhos. até parece que fede e que som os nossos pés os que afundem na lama.
e na introduçom à ediçom, o admirado edward said a dizer que a leitura de quadrinhos é fácil. nom neste caso. livro denso, enorme. recargado de texto, de desenho, de denúncia, de dignidade.

o pior, o de sempre: fala palestina da primeira intifada, lá polos 87-90. e a reportagem fotográfica do elpaís de há nada mostra que o tempo nom passa para o povo palestino.