segunda-feira, 25 de maio de 2009

o (re)pouso das palavras


o falar não tem cancelas. e quantas vezes me tenho arrepentido de cousas que digem. e pensado fora de tempo esse "e por que não calarás!" e quem sabe quantas vezes mais me arrependerei no futuro...
mas de tempos em tempos aquilo que umha diz, sem meditá-lo muito, e sem pensar que haja por aí quem escuite, traz presentes inesperados e por isso muito mais adoçosos e deliciados.
e para quem pense que a internete desumaniza esta doida humanidade, que roia a inveja de sentir o afastado cheirinho dessas madalenas recém feitas que hoje viajárom da crunha à arousa só por umas palavras que encontrárom repouso neste blogue.

obrigada, dores.


quinta-feira, 14 de maio de 2009

construções

eduardo estévez: construcións. edicións positivas. compostela 2008.

merquei uma parelha / de canários
para fazer menos desolada / a ordem da casa.


quando eduardo estévez botou a andar o seu projecto enconstrución levei um susto de morte. eu andava a voltas com as minhas (de)construções e dei com um escritor que podia estar a fazer o mesmo que mim. nunca entrei, portanto, no seu blogue, para não ter a tentação de lhe roubar ideias e para não levar o desgosto de ele estar a trabalhar (publicamente e só por isso, primeiro) as mesmas ideias que mim.
e ainda houvo outro susto, porque quando des-levou o prémio por ter pré-colocado poemas do livro num blogue, eu já tinha enviado o meu a um certame, e também havia o assunto esse de que tinha os poemas aí na caixa do lado.
superados estes medos e sustos, decidim entrar nas construcións do edu (com estes antecedentes já há confiança) e ver se escrevemos o mesmo sob o (quase)mesmo título mas desde distintas escrivainhas.

pensei que sim no primeiro poema, mas não. eduardo estévez escreve sobre a outra face das construções, é dizer, sobre as pessoas que as habitam. escreve sobre a cidade pendurada, sobre os prédios calcando os corpos das pessoninhas que querem viver neles, das gentes que querem construir pontes que ficam, quase sempre, em rascunho.

há um subgênero literário muito em boga: a história alternativa ou ucronia. consiste em imaginar e contar como seria o mundo se algúm feito importante tiver acontecido doutra maneira: e se franco tivesse perdido a guerra, e se colombo tivesse naufragado nas canárias... pois justo o contrário são estas construções: a história daquelas pessoas que renunciam à possibilidade de mudar as suas vidas, de construir, as que ficam cá, na realidade, no dia a dia do café o trabalho o super o bus a monotonia entanto alguem, noutro lugar, é quem de dar o passo e tentar a utopia. ou quando menos imaginá-la.
e do que se trata é de construir relações, comunicação, pontes através de palavras. mas a maioria das pessoas protagonistas dos poemas não conseguem. roçam levemente a possibilidade da ucronia, da alternativa: dizer-lhe algo, sentar ao carão, cruzar a olhada... mas não chegam a mexer-se. o estatismo é a sua resposta. o voyeurismo, o seu consolo.
os dous canários do início são o eu de todos os poemas: sem identidade, sós, com nada no rosto, mortos de tristura, incapazes de espantar a desolação, engaiolados numa vida urbana e quotidiana que os mantém numha borbulha de soidade e incomunicação. e para intensificar tal soidade, a ausência do eu poético, do enunciante em primeira pessoa. não, melhor uma terceira, despersonalizada, ausente, distante, irónicamente narrativa e demiúrgica. tal é a soidade tal a desolação, que as personagens continuam, indiferentes, a rotina do queijo e o coitelo porque são sabedoras que ninguém falará delas enquanto morram.

e passaram os anos

um dia escuitou
na rádio uma canção
que a levou de regresso
à infância

era um velho
blues mas lembrou-lhe
a imagem da mãe
e a casa da aldeia

detrás vinhêrom
outras

por primeira vez
desde a partida decatou-se
de que não voltara pensar
em tudo isso com
carinho


mudou de emissora


um camiom detinha-se
diante do bar.

colocando o ramo: o autor a falar da obra:



quarta-feira, 6 de maio de 2009

o pouso que nos precede

dores tembrás: o pouso do fume. espiral maior. a corunha 2009.

desde então / o coração / coma o marmelo / balorecido.

nom sabia de dores tembrás. mas resulta que temos uma amiga comum e falou-me dela. e o outro dia vim o seu livro e merquei-no. e hoje colhim-no do lote dos não-lidos (o lote cresce a cada dia e exponencialmente, bem vedes que leio pouco nestes tempos de abúlia primaveral); enfim, colhim-no por botar-lhe um olho e enredei como em silveira invasora.
porque este é o livro de antes do meu, o pouso que permite que eu escreva o que escrevo. é o livro de quem tem um passado, de quem relembra a neinice para poder deixá-la atrás e construir um futuro.
nunca acreditei em gerações ou quando menos em pertencer a algumha. mas quando leio textos como o do pouso acredito um pouco, um pouquichinho, porque vejo que há toda umha geração, amplo conceito, que está a ser a testemunha da morte, do funeral, do enterramento de todo um sistema cultural e que exerce disso, de testemunha da apocalipse: porque se carlos negro faz o requiem em cultivos transgênicos do rural e os seus valores, ubi sunt, neste pouso de fume, dores resgata a sua infancia para lhe celebrar um cerimonial de despedida.
mas a morte vai parelha à vida, são as duas face e envés da mesma moeda. só do soterrado, do estercado, nasce rebento de nova vida: e esse pouso de lareira afumada é o basamento em que pode fazer firme esta geração para não se sentir perdida:

pequena orfa
afeita à friagem
ortiga-me
cubre-me de cinsa
que saberei corresponder-te.

surpreendeu-me encontrar motivos comuns entre o que escreveu dores e aquilo que tenho escrito (a casa velha, a couça, as estrugas, os sinais dos antergos) e também com aquilo que ando a escrever (a costura, as lavandeiras, o sino das mulheres). e como petisco dum livro mui recomendável, um fragmento que bem poderia ser para o meu avó:

na casa natal
água e couça

acompanhavam a tarefa
de debulhar as horas
a ritmo de gharlopa
as falcas

deixavam-se fazer.

terça-feira, 5 de maio de 2009

enrugas

paco roca: arrugas. astiberri ediciones. bilbo 2009.

como tinha lido outra obra de paco roca da que gostei muito, el faro, o outro dia merquei esta às cegas, sem saber de que ia. foi na feira do livro, em compostela e, como a tarde ia calorosa, decidim refrescar-me bebendo e lendo no rua nova. de todos os livros que merquei, colhim o arrugas, porque era a leitura fácil, já se sabe, os quadrinhos.
e lim, e lim, e lim e quase me saltitam as báguas dos olhos para o nestea porque buff, que duro mas que autêntico. sim que há imagens que chegam mais que milheiros de palavras: eu percebim melhor aquilo que é o alzheimer nos desenhos de faces sem rosto que pintou roca que em qualquer sisuda explicação que me fosse dada polo mais importante especialista.
arrugas conta a história de emilio, um velhote que é internado pola sua família numa residência por nom poder ser atendido na casa correctamente. tem alzheimer ou demência. ou as duas cousas, tanto tem. arrugas é uma descarnada descrição da morte em vida das pessoas senis, do infantilismo com que são tratadas por instituições e famílias, do horror que lhe supõe a uma pessoa ver decair as suas capacidades. mas também é uma tenra descrição da amizade apreendida, do egoísmo evoluido em solidariedade, da soidade que desemboca em companhia, da luita contra os destragos da velhez.
já na primeira cena eu puidem ponher-me nom lugar da minha avó, que morreu não há muito despistada, desorientada e raivosa com esse seu despiste e essa sua desorientação. percebia daquela a sua raiva. entendo-a melhor agora.

para isso serve a literatura.