quinta-feira, 14 de maio de 2009

construções

eduardo estévez: construcións. edicións positivas. compostela 2008.

merquei uma parelha / de canários
para fazer menos desolada / a ordem da casa.


quando eduardo estévez botou a andar o seu projecto enconstrución levei um susto de morte. eu andava a voltas com as minhas (de)construções e dei com um escritor que podia estar a fazer o mesmo que mim. nunca entrei, portanto, no seu blogue, para não ter a tentação de lhe roubar ideias e para não levar o desgosto de ele estar a trabalhar (publicamente e só por isso, primeiro) as mesmas ideias que mim.
e ainda houvo outro susto, porque quando des-levou o prémio por ter pré-colocado poemas do livro num blogue, eu já tinha enviado o meu a um certame, e também havia o assunto esse de que tinha os poemas aí na caixa do lado.
superados estes medos e sustos, decidim entrar nas construcións do edu (com estes antecedentes já há confiança) e ver se escrevemos o mesmo sob o (quase)mesmo título mas desde distintas escrivainhas.

pensei que sim no primeiro poema, mas não. eduardo estévez escreve sobre a outra face das construções, é dizer, sobre as pessoas que as habitam. escreve sobre a cidade pendurada, sobre os prédios calcando os corpos das pessoninhas que querem viver neles, das gentes que querem construir pontes que ficam, quase sempre, em rascunho.

há um subgênero literário muito em boga: a história alternativa ou ucronia. consiste em imaginar e contar como seria o mundo se algúm feito importante tiver acontecido doutra maneira: e se franco tivesse perdido a guerra, e se colombo tivesse naufragado nas canárias... pois justo o contrário são estas construções: a história daquelas pessoas que renunciam à possibilidade de mudar as suas vidas, de construir, as que ficam cá, na realidade, no dia a dia do café o trabalho o super o bus a monotonia entanto alguem, noutro lugar, é quem de dar o passo e tentar a utopia. ou quando menos imaginá-la.
e do que se trata é de construir relações, comunicação, pontes através de palavras. mas a maioria das pessoas protagonistas dos poemas não conseguem. roçam levemente a possibilidade da ucronia, da alternativa: dizer-lhe algo, sentar ao carão, cruzar a olhada... mas não chegam a mexer-se. o estatismo é a sua resposta. o voyeurismo, o seu consolo.
os dous canários do início são o eu de todos os poemas: sem identidade, sós, com nada no rosto, mortos de tristura, incapazes de espantar a desolação, engaiolados numa vida urbana e quotidiana que os mantém numha borbulha de soidade e incomunicação. e para intensificar tal soidade, a ausência do eu poético, do enunciante em primeira pessoa. não, melhor uma terceira, despersonalizada, ausente, distante, irónicamente narrativa e demiúrgica. tal é a soidade tal a desolação, que as personagens continuam, indiferentes, a rotina do queijo e o coitelo porque são sabedoras que ninguém falará delas enquanto morram.

e passaram os anos

um dia escuitou
na rádio uma canção
que a levou de regresso
à infância

era um velho
blues mas lembrou-lhe
a imagem da mãe
e a casa da aldeia

detrás vinhêrom
outras

por primeira vez
desde a partida decatou-se
de que não voltara pensar
em tudo isso com
carinho


mudou de emissora


um camiom detinha-se
diante do bar.

colocando o ramo: o autor a falar da obra:



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