segunda-feira, 3 de agosto de 2009

utopias piratas

peter lamborn wilson: utopias piratas. corsários, mouros e renegados europeus. deriva editores. porto 2009.

ou dos piratas como sociedade proto-democrata. ou dos piratas como sociedade proto-socialista.

merquei o livro naquela visita de abril a braga. quem não lhe dê importância aos títulos que coloca às suas obras, que atenda aos meus critérios de selecçom de livros: há muitos que caem nas minhas mãos polo intuito dum bom encabeçamento. é o caso deste utopias piratas, tão sugerente.

e de resultados tão interessantes. peter lamborn tenta, neste ensaio, reconstruir a história da "república corsária do salé", que tivo vigência, nessa cidade marroquina por volta do sêculo xvii. mas para consegui-lo, encontra certas dificuldades: ai, as fontes!. se algo caracteriza as culturas piratas é o seu carácter iletrado, polo que o investigador só pode contar com a documentação fornecida por informantes alheios a essa cultura: visitantes europeus ou africanos, mas em todo o caso, inimigos. há de aprender a ler entre as linhas das propaganda anti-corsária, da hostilidade e o sensacionalismo, por ver de reconstruir uma possível realidade histórica.

muitas cousas interessantes nos oferece esta obra:
  • achega-nos a um mundo muito próximo (historicamente), de grande importância para comprendermos certas questões sociais, religiosas, etc, mas que sempre conhecemos do ponto de vista europeu -castelhano-. lembro ter estudado que cervantes estivera cativo em alger e a literatura castelhana da época -pensemos no romance bizantino- reflicte a actividade pirata como algo habitual, mas nunca encontrei tratado esse fenômeno nos livros de história que lim, e quando citado, foi reduzido a uma simples questão de delinquência. esta obra fornece um achegamento básico ao que significárom os enclaves de alger, túnes, tripoli na actividade corsária da época.
  • chama a atenção sobre um fenômeno também pouco atendido em outras obras: numa espanha obsessionada pola religião, não adoita falar-se dos renegados: aquelas pessoas que voluntariamente escolhem professar a religião mussulmana. aparece-nos salé, neste livrinho, como o refúgio de muitos andaluzes e castelhanos expulsos de espanha por não aceitar o crstianismo obrigatório.
  • fai-nos ver a importância política das sociedades piratas na altura, pois assim como o terror corsário podia chegar até as portas de irlanda ou islândia, também a diplomacia holandesa ou britânica chegava às costas africanas e punha em comunicação esses dous mundos defrontados.
  • frente a visão anarquista, proto-capitalista e individualista que oferece a imagem hegemónica do mundo da pirataria, defende a ideia comunitária e igualitária da mesma, um mundo em que o indivíduo não é ninguém mas pode chegar ao mais alto: ninguém porque um barco não se pilota sozinho e o mais importante porque o berce não é mirado para eleger aos dirigentes. uma comunidade com normas próprias, muitas vezes contrapostas às das comunidades de origem dos seus membros. autêntica resistência social.
  • e sobretudo, combinando estes elementos anteriores, mostra como certas correntes do islamismo, junto com a incorporação de contingentes de marinharia explotada às tripulações piratas favorecêrom o aparecimento duma república: uma sociedade igualitária, de funcionamento proto-democrático que foi, para o autor, um claro precedente das futuras sociedades democráticas europeias.

uma leitura muito enriquecedora porque me faz reflexionar tanto sobre a minha formação cultural como sobre o meu futuro labor como investigadora. ademais de divertir-me com as andanças piratonas de murad rais, por exemplo.

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