terça-feira, 2 de agosto de 2011

leituras demoradas: o sha

ryszard kapuscinski: el sha o la desmesura del poder. anagrama. barcelona 2007.

tanto me tem se era exagero ou nom, se era mentira ou se as fontes era descuidadas e manavam tóxicos. tanto me tem que kapuscinski seja apontado polo dedo de alguns assegurando que nom dizia a verdade. porque é possível que nom conte toda a Verdade (por umha vez usarei maiúsculas), mas certo é também que diz grandes verdades e mui bem ditas.
de pérsia pouco sei: lembro a presença habitual nas revistas do coraçom, para mim impactante, de soraya, a princesa dos olhos tristes. pouco mais. muito tempo depois chegou a leitura de persépolis e todo aquilo de marjane satrapi que me caisse nas maos.
botei-lhe o dente a este livro sobre o sha quadrando com as mobilizaçons no magreb e as do quinze-eme. e nom puidem evitar a sensaçom de que aquilo que lia nos jornais tinha muito que ver com o que lia em kapuscinski.  

quando se fala da queda da ditadura (e o regime do sha tinha sido umha ditadura particularmente brutal e pérfida) nom pode ter-se a ilusom de que com ela acabe todo o sistema, desaparecendo como um mal sonho. em realidade só acaba a sua existência física. porém, os seus efectos físicos e sociais permanecem, vivem e durante anos fam-se lembrar, e incluso podem ficar em formas de comportamentos cultivados no subconsciente. a ditadura, ao destruir a inteligência e a cultura, deixa detrás de si um campo baldeiro e morto no que a árvore do pensamento tardará muito tempo em florescer. a este campo ermo saem dos seus esconderijos, dos recantos e das fendas nom sempre os melhores mas, amiúde, aqueles que resultárom ser mais fortes; nom sempre aqueles que traerám e criarám novos valores senom aqueles aos que a sua dura pele e resistência interior permitiram sobreviver. nestes casos a história começa a virar num trágico círculo vicioso e ás vezes é preciso um século inteiro para que poida sair dele.  
referia-se ao irám, mas eu pensava que falava do franquismo e do que nos veu em cima (está vindo) depois.

roubavam todos os que ostentavam algum poder. se alguém que, ocupando um cargo importante, nom roubava, criava-se em torno dele um baldeiro: despertava suspeitas. todos diziam dele: "seguro que é um espia que nos foi enviado para denunciar quem rouba e quanto, porque estas informaçons som necessárias para os nossos inimigos". em quanto podiam, desfaziam-se do homem que lhes atrapalhava o jogo. deste modo chegou-se à inversom de todos os valores. quem tratava de ser honrado era acusado de ser confidente a soldo. se alguém tinha as mãos limpas, devia agachá-las o mais profundamente possível. o limpo levava consigo algo de vergonhento, de ambíguo.
referia-se aos negócios do sha e os seus amighos, mas eu pensava que se referia corrupçom que (camp)a na galiza e nas espanhas.

a experiência tinha-lhes aprendido que deviam evitar pronunciar em voz alta palavras como agóbio, escuridade, peso, abismo, trapa, lamaçal, descomposiçom, gaiola, relhas, cadeia, mordaça, moca, bota, mentira, parafuso, peto, pata, loucura, e também verbos como tombar, assustar-se, plantar-se, perder (a cabeça), desfalecer, debilitar-se, ficar cego, xordo, afundir, e incluso expressons (que começassem com o pronome algo) como algo nom quadra, algo nom encaixa, algo vai mal, algo rachará, porque todos estes substantivos, adjectivos, verbos e pronomes podiam constituir umha alusom ao regimem do sha, portanto eram um campo semântico minado que avondava calcar para choutar polos ares. 
falava do medo à savak, a polícia política do sha, mas eu pensava que se referia à pressom que ainda hoje há para nom dizer em voz alta certas palavras (como independência, laicidade, feminismo, ditadura franquista, tortura...)

umha leitura muito recomendável.

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