terça-feira, 22 de julho de 2008

ouriços elegantes


BARBERY, muriel: la elegancia del erizo. círculo de lectores. barcelona 2007.

e se a literatura fosse umha televisom que nos mostra todo aquilo no que fracassamos?

A elegância dos ouriços é essa que sob umha nuvem de pinchos e espinhos deixa espaço para o movimento harmónico e acompassado com o movimento do mundo. e é a elegância das duas protagonistas deste romance.
Pareceu-me lograda a obra por umha cousa: o terrivelmente inverossímeis que semelham as protagonistas e certas situaçons e o verossímeis que resultam: umha, umha porteira de prédio rico sem estudos mas com formaçom autodidacta que é quem de ler husserl e de desmontar-lhe as suas teorias filosóficas entre passada de pano e esfregada de chao; a outra, umha menina de onze anos que escreve com umha de corenta [ou melhor] e que tem decidido e programado o seu suicídio. em realidade, duas pessoas sozinhas.
renée, a porteira, considera a fenomenologia umha brincadeira. entende que para husserl só existe a apreensom das cousas, de um gato, por exemplo, sem importar-se das cousas em si, é dizer, do gato, das pessoas. a renée, a porteira, e a paloma, a menina, passa-lhes algo semelhante: o seu entorno apreende delas umha imagem, umha imagem tópica ademais: porteira imunda e menina repelente, e segue a imagem sem se parar nunca a vê-las a elas em si.
e elas que se doem disso nos seus pensamentos, nom deixam de fazer o mesmo até dar com um mediador que facilita o encontro, a comunicaçom: ozu, o novo vizinho japonês que meia desde umha cultura diferente.
enfim, o livro conta de pessoas que buscam o seu lugar no mundo, de indentidades e comunicaçom. de vida.

terça-feira, 15 de julho de 2008

o diabo na cruz

THIONG´O, ngugi wa : el diablo en la cruz. editorial txalaparta. nafarroa 1994.

o antílope odeia menos ao homem que o distingue
que àquele que delata a sua presença


há viagens curiosas. livros que caem nas maos quando ham de cair.
soubera de ngugi wa thiong'o através da leitura de ferro. buscando a negritude e os seus autores dei com este menino mau: criticou senghor e os seus seguidores por escrever na língua e nos modos dos europeus e construir o seu modelo de negritude como reverso positivo da negrura branca. como prova da súa rebeldia, renunciou à língua inglesa e decidiu escrever só em kikuyu.
por suposto, quando lim tal história assumim que nunca poderia ler ngugi wa thiong'o. quem traduziria do kikuyu para algumha das línguas que podo ler...
qual a minha surpresa quando encontro numhas maos amigas o livro que agora conto. em castelhano. e o lim, claro, ainda com o assombro na cara.
o diabo na cruz é um romance de manual. desses manuais que definem o gênero romance como o híbrido de todos os gêneros. no diabo na cruz colhem todas as tipologias textuais: parábola, conto, debate, salmo, poesía, refraneiro e escrita técnica [há um fragmento no que é explicado o funcionamento dum motor de explosiom. e eu dou por feito que o repto do autor era escrever prossa técnica em kikuyu].
porém o mais interessante para mim, o que fai o romance mais africano e menos europeu é o uso dos proverbios, das frases feitas: a pressa destraga a batata, a sabiduria fechada no coraçom nunca ganhou um juíço, a melhor vileza é a oculta, quando um branco se fai velho, come tenreira, a felicidade tem boca e estómago próprios e umha peçonhenta dentada. e toda esta proverbialidade nom é um adorno no texto, um toque exótico, senom que se entremete na trama, na estrutura, delineando o discurso e os discursos das personagens.
e o proverbio que preside este post é o que para mim explica a intençom do autor. porque a finalidade do livro está explicitada já na citaçom do início: a todos os keniatas em luita contra a etapa neocolonial do imperialismo. se este é o antílope, ngugi wa thiong'o pretende ser o homem odiado que o delate. e algo odiado é, pois nom pode entrar no seu próprio país.