quarta-feira, 17 de abril de 2013

feminismoS

olga castro e maría reimóndez: feminismos. xerais 2013.

sempre pensei que nom sabia avundo sobre o tema do feminismo. as minhas leituras são esporádicas e anedóticas, sem programa de leitura. lim histórias de mulheres (os cinco volumes!), lim o segundo sexo, lim o quarto que seja seu, lim as literatas, lim... porém isso deixava em mim dúvidas e lacunas sobre por onde seguir para saber mais e encontrar-me a gosto sendo feminista. porque esses nom deixam de ser clássicos que em muitas cousas não quadram com as minhas experiências vitais.
e eis que olga e maria parem este volume de achegamento aos feminismos, que pretende oferecer-nos uma panorâmica de todo quando engloba essa palavra e uma enorme proposta de leituras para quem queira continuar o seu caminho de construção feminista.

e sim, o livro não me decepcionou em absoluto. escrito desde a galiza mas com a olhada atenta a quanto acontece no resto do mundo, feminismos faz um percorrido pola suas histórias e geografias, as diversas correntes e propostas, as críticas e revisões, as disciplinas e transversalidades... 

correm as páginas e achegas-te a pessoas desconhecidas que levam anos dizendo cousas das que ti tinhas uma intuição, passas as linhas e encontras as mesmas dúvidas que ti acovilhavas expressadas maravilhosamente por outra mulher da outra ponta do mundo, saltitas de parágrafo em parágrafo e tropeças com essa tua certeza que acreditavas única no universo mas é partilhada por tantas outras. e quando menos o esperas, após uma leitura singela e entretida, dás com a listagem de recomendações para continuar a aprender e com a seguridade de nunca mais desertares da identidade feminista.

aquilo que mais me agradou no livro foi a vontade clara de visibilizar a pluralidade de vozes e discursos. suponho que o facto de estar escrito a quatro mãos pode ser uma reivindicação disto. porque a conclusão que eu tiro de ler tanta tendência e revisão é que é nessa pluralidade que reside a força do movimento. porque se o patriarcado está em perpétua evolução para manter o seu poder, o mesmo fam os feminismos para lhe fazer fronte.

outra cousa da que gostei: do optimismo. que sim! que o feminismo não trunfou ainda, porém consegue mudar as cousas todos os dias!!

se não sodes feministas, recomendo-vos esta leitura. e passaredes, seguro, a este lado da força.




quarta-feira, 3 de abril de 2013

rabos de lagartixa

juan marsé: rabos de lagartija. barcelona 2000.

recém acabadinho e deixando um regosto de boa literatura. como bem diz uma das citações iniciais: nom contes a verdade, conta máis.
e para falar dos horrores da guerra incivil, nada melhor que não falar deles, mas da posguerra. e para falar das misérias diárias das perdedoras, nada melhor que não falar delas, mas das fantasias das suas crianças.

uma mestra republicana represaliada a trabalhar de costureira, um polícia da brigada político-social apaixonado por uma mestra represaliada. um homem fugido e provavelmente morto deixando atrás mulher represaliada e grávida. um filho de mestra represaliada e sindicalista fugido que mantém um cadelinho quase morto de tão cadáver, odeia os guripas, gosta de vestir de menina e fala com as pantasmas na noite entanto segue a zoar-lhe nos ouvidos o barulho dos últimos bombardeios em barcelona. 

e tudo contado pola voz onipresente duma criança ainda não nascida, a crescer no ventre duma mestra represaliada agotada de tanto trabalhar de costureira e suportar as visitas de um guripa da social entanto o seu filho sim nascido anda nas traseiras dos cinemas aprendendo sexo com Paulino e fala na noite com um aviador das RAF.

poucas personagens (mai, filho, cão, amigo e polícia) mas tão bem construídas, tão elaboradas, que nelas vemos representada a atmosfera dum época dura, duríssima: essa posguerra faminta e silenciada na que as pessoas arrastavam as suas vidas como chispa arrastava o seu corpo acabado e dolorido. aguardando a morte como a última esperança de libertação. 

do que mais gostei na obra foi do seu realismo fantasiado. a veracidade da trama e das cenas diárias é acompanhada polas cenas nascidas da imaginação desbocada de david, que fala com as gentes do mundo real igual que com as gentes do seu mundo fantasma, que necessita inventar palabrijas para proteger da dor o seu amigo Paulino, que precisa contar mentiras para que a verdade seja sabida. gosto de que conte umas histórias autênticas de cuja autenticidade nos protege esse narrador assim tão inverosímil, um feto ainda não nado.

nada como a fabulação mais fabulada para fazer-nos ver a realidade. isso defende david, o protagonista, e isso demostra marsé, o autor.