domingo, 28 de outubro de 2012

marcas de nacemento

nancy houston: marcas de nacemento. traduçom de david gippini. rinoceronte editora. cangas 2012.

o privado é político. isso deixa claro, por se alguém ignorava ou duvidava, este romance.

uma marca de nascimento, uma manchinha escura e pilosa na pele. eis a herança transmitida na família. e essa nódoa é vivida como um talismám ou como uma maldiçom -a de possui-la ou nom-. 

conhecemos a história da família através de quatro geraçons e quatro vozes que nos vam levando da mao até o pecado, desculpa, segredo original. nisto, o romance concorda com tantos outros de história familiar que oculta qualquer cousa no faio ou nas gavetas de velhas lacenas.

porém, duas cousas fam este romance diferente. 

as vozes que falam som as das protagonistas quando crianças. ao invês do habitual, onde encontramos velhotas sentadas na butaca com manta a proteger da reuma, e desvendado à neta o mistério daquele encontro no ano 1937, aqui chocamos com as vozes de dous meninhos e duas meninhas de 6 anos que narram os acontecimentos (essas marcas familiares) desde a sua olhada infantil.

e escrevo chocamos de maneira intencional. é um choque escuitar / ler as vozes dumas crianças em absoluto inocentes, em absoluto nhonhas, em absoluto cândidas. o primeiro capítulo pareceu-me brutal. e o terceiro impressionante. precisamente aqueles em que fala o fanatismo ad ovo

a narrativa funciona como uma memória ao invês. ou melhor. como a memória danada duma doente de alzhéimer que só acerta a reviver para nós farrapos esgaçados da sua neinice.

e erra, essa protagonista... só por conhecerde-la paga a pena a leitura.

marcas de nacemento fala-nos de como o público afecta ao privado. de como factos acontecidos há decadas a uma pessoa podem escarificar a pele doutras pessoas passadas várias geraçons. marcas de nacemento fai reflexionar sobre a memória, sobre o que contamos e como é recebido polas demais. marcas de nacemento fala-nos do fanatismo, que pode ter milheiros de faces e carautas, sendo sempre o mesmo, o Inimigo.
o romance está tam bem cosido, tam bem engarçado que a única vontade que me restou quando acabei de ler foi recomeçar a leitura e admirar as costuras, como as vizinhas que olham o revês duma toalha bordada para comprovarem a mestria da bordadora.

maravilha!


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

leituras demoradas: a leitora

bernhard schlink: el lector. anagrama. barcelona 2000. 

lemos o livro no clube de lectura de adultos. e visionamos alguns trechos da versom cinematográfica. eu vira o filme quando a estreia, polo que a leitura foi feita com a trama sabida e os mistérios desvendados.

e igualmente adorei. e nom houvo essa reacçom decepcionante com uma e outro, outro e uma. lembrava ter gostado da película e gostei do romance. 

o leitor é um romance no que somos obrigadas a reflexionar sobre a culpa e o perdom. 

está estruturado em três partes, todas narradas polo protagonista, michael, nas que dá conta do seu encontro adolescente com hanna, uma mulher que o inicia sexualmente, o seu reencontro con ela, anos mais tarde, quando, estudante de direito, a reconhece entre as acusadas nun juíço por colaboraçom no holocausto, e finalmente, o seu úlitmo encontro, décadas mais tarde, quando ela sai de prisom ao cumprir condeia. 

em apariência, a trama está centrado no tema do holocausto, os judeus, o nazismo. e nisso centra a sua trama o filme (ou esse é o meu recordo): na culpabilidade que sente o protagonista por nom ter reconhecido uma nazista na mulher que amou (metáfora das novas geraçons que se auto-culpabilizam dos crimes nazis). mas agora, quando lim o livro, percebim que o autor em realidade nos convida a algo mais que ler uma outra visom do holocausto. propom-nos um dilema moral: pode um criminal ser redimido? há delictos imperdoáveis? que impede às vítimas perdoarem(-se)? pode ser reconstruída uma sociedade, apos um conflito violento, sem (re)conciliaçom?

a leitura do livro quadrou-me com um momento em que eram  novidade os encontros nos cárceres entre vítimas e presas da eta. eu nom pudem mais que relacionar uma cousa com a outra. e admirar a capacidade de uns e outros para falarem dos danos infringidos e recebidos.

porém o que a mim mais me deu que pensar foi o acontecido na juntança do clube de leitura. as leitoras sentimos empatias diferentes com respeito às personagens do romance: a mim e outras resultou-nos mais antipático o protagonista, no meu caso porque tem a oportunidade de salvar(-se) um pessoa e nom a aproveita, ao tempo que é incapaz de perdoar, nom consegue sentir piedade, o que faz que eu tam-pouco a sinta por ele. em troca, comoveu-me o personagem feminino pola dura aprendizagem que foi quem de fazer. outro grupo de participantes na sessom dirigiam essa antipatia cara a mulher protagonista, nom polos seus delictos nazistas, mas por um delito prévio: o de abuso de menores. consideravam que o dano feito a michael por parte de hanna era demasiado imenso; e que nom pagara o suficiente por ele. 

aquilo que a mim me deu que pensar foi o facto de que o segundo grupo de opinadoras estava integrado por nais e que no primeiro nom havia nenguma. era casualidade? é esse o facto que marca a diferência de opinions e empatias? tanto marca (nom) ser nai? o caso é que perguntei por essas simpatias -por quem sentes mais lástima, por michael ou por hanna?- a outras lectoras do livro e continuam a quadrar as contas. e eu continuo a dar-lhe voltas às marcas da maternidade.

penso que esse nom era, precisamente, o tema do livro. quem o diria!

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

um saco de bolas

joseph joffo: un saco de canicas. mondadori, barcelona 2010.

quando há tempo lim o neno do pijama raiado escrevim que nom acreditara na personagem protagonista, porque mais que menino ingênuo, parecia aparvado. daquela nom lera esta saqueta de pelouros. livrou-se o do pijama. a crítica havia ser ferozmente destrutora. 

porque este livrinho é uma maravilha. o protagonista também é um menino. é parisino e judeu e junto com o seu irmão maurice, dous anos mais velho, começa uma viagem pola frança ocupada do 1941 fugindo pola janela quando os nazis e a gestapo entravam pola porta.

já me caiu em graça porque começa o primeiro capítulo explicando a importância de ser campiom jogando ás bolas. e oferece nas primeiras linhas, a definiçom do que é um irmão: alguém a quem devolvemos a última bola que lhe ganhamos. joseph é um menino crível porque as suas reflexons correspondem-se com as reflexons de uma criança de dez anos, mas nom por isso deixam de ser reflexons sérias e interessantes. é ingénuo, mas nom parvo. e pode que nunca soubera realmente que andava em risco de morte, mas tinha claro que vivia em perigo.
por exemplo, jo leva uma decepçom enorme quando cruza a linha que separa a zona ocupada da zona liberada francesa: ele contava que ia ser semelhante aos defrontamentos cinematográficos entre índios e vaqueiros e resultou ser um passeio noturno. nom duvida em identificar uma colaboracionista porque uma pessoa tam odiosa como para compará-lo com o irmão (ai, és cuspidinho a maurice!) tem que ser traidora  por força.  e sempre confia em que voltará a juntar-se toda a família ainda que em cada escapadela deixe atrás pessoas que nunca mais vai ver...

do que mais gostei das andanças de jo e maurice é que sempre se salvam com uma combinaçom proporcionada de sorte e fabulaçom. ambos os dous som uns autênticos mentiráns. contam com uma capacidade extraordinária para aproveitarem qualquer pormenor da sua vida quotidiana e argalhar vidas e histórias que ocultem a sua identidade judeia. tam bem contam os contos e goçam de tal maneira as suas mentiras que porvezes semelham esquecer que elas som as suas armas de salvaçom.

jo vém sendo o joseph joffo menino e o livro nom som outra cousa que as suas memórias. joseph consegue manter na narrativa o ponto de vista duma criança de dez anos, que entende que deve fugir mas nom acaba de compreender por que, que se sabe judeia sem ter mui claro que é ser judeu, que sabe quem som os inimigos, mas é quem de fazer amizade com soldados italianos...  e todo isso é o que faz o livro delicioso.

cousa bonita.


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Morgana em Esmelhe

begoña caamaño: morgana em esmelle. galaxia, vigo 2012.

para ler morgana há de ser lido antes o merlim do cunqueiro. nom por questons de subordinaçom patriarcal, eva e a costela de adám e essas cousas, mas porque este romance está escrito em contraponto com aquele de merlim.

o ponto de partida é simples: morgana aparece em esmelhe , nas terras de miranda, na outra fisterra, para arranjar contar com o velho meigo que aí se refugia e aclarar, de passo, quatro cousinhas à esmirriada de genebra. 

o romance narra o tempo da visita, e fai-nos viver a tensom que há nos quartos da casa grande e que manoelinha, filipe de amância e marcelina mal podem conciliar. só ao final a tensom é resolvida, nom vos conto se com arranjo ou com rebentaçom.

na história combinam-se as vozes de merlim, filipe e as mulheres de avalon, mas a perspectiva, o ponto de vista que se apom ao longo do discurso é o de avalon: a defesa do conhecemento científico ao serviço da comunidade fronte ao escurantismo e elitismo da nova religiom que invade europa. se a lenda do rei artur foi tingida de cristianismo, em morgana reivindica-se um laicismo nom sei se anacrónico, porém bem interessante. 

morgana só podia viajar a esmelhe porque só um merlim como o do cunqueiro, velhote, humilde, animoso e bom vizinho pode receber morgana na sua casa como filha pródiga. o merlim de excalibur teria-lhe metido um lostreghaço tipo son-goku que nos fastidiaria as reflexons que oferece este texto. 

achei de menos esse humor tenro que ressuma o livro de cunqueiro, e que creio lhe acaia mui bem a esta morgana recriada por begonha. ela coloca essa rejouba nos capítulos narrados por filipe de amância, nos que imita e é reconhecível o estilo do mindoniense.

leitura mui agradável.

 


sábado, 6 de outubro de 2012

leituras demoradas: pérez galdós reload

almudena grandes: inés y la alegría. tusquets, barcelona 2010
                            el lector de julio verne. tusquets, barcelona 2012.

ambos os romances fam parte duma série de título episódios duma guerra interminável.
sim, e continua a guerra civil a encher-me os tempos leitores. ambos os romances som as primeiras entregas dum programa de seis romances que a autora se marcou, seguindo o caminho marcado por galdós na sua série episodios nacionales.
neste programa, a grandes decidiu abordar outros tantos factos históricos acontecidos durante a guerra e a posguerra que ficárom ensombrados ou esquecidos polo abrumador protagonismo doutros feitos e polos corenta anos de propaganda ditatorial.

pois bem, comecei lendo inês, que ficciona o acontecemento real da invasom de la vall d'arán polo exército que os exilados republicanos organizárom em frança apos a queda do nazismo. a escritora inventa uma protagonista, inês, irmã fugida dum governador fascista e acolhida polos guerrilheiros e, en volta dela, faz aparecer, actuar e falar a uma moreia de personagens históricas que explicam, justificam ou criticam o fluir dos acontecementos: basicamente, por que os aliados nom aproveitárom a fim da ii guerra mundial para botar a franco do poder. pareceu-me imensa a construçom da personagem (sublinho: da personagem) da pasionária, tam crível, tam autêntica e tam clariescura.  

a leitura foi engaiolante como para aguardar com vontade a segunda entrega.

e lim o leitor de júlio verne, no que a grandes recria o mundo dos maquis e das guerrilhas que suportárom anos do luita nas serras e montes de toda a espanha franquista. ela centra a sua história nas serras de jaén, porém sem esquecer e estender fios a outras zonas guerrilheiras como as do norte e as galegas. o protagonista, neste caso, é o filho dum guarda civil, que vive, desde o espazo fechado do quartel, uma luita interior entre o amor ao seu pai e a amizade com um moinheiro "suspeito" de rebelde. 

a leitura foi engaiolante como para racionar a leitura e alongá-la no tempo, e, claro é, aguardar com vontade a terceira entrega.

a sensaçom que me deixárom no corpo estes dous romances é que almudena grandes chegou. deu com o estilo perfecto para contar boas histórias e deu com umas tramas acaídas a esse estilo. dos seus livros anteriores que lim, deixou-me um pouso amargo, um regosto acedo, o barroquismo adjectivador, a sensaçom de que sobravam metáforas e símis. agora nom. a sua voz nom invade o texto, nom se desparrama sem controlo polos parágrafos. tem o ponto justo de contençom que atrapa a quem a lê. sim, aprendeu, e muito, de galdós.

penso que, na actualidade, esta mulher nom está chamada a ser, é já, uma das grandes escritoras da lingua castelhana, e penso que se nom foi declarada tal, é por esse -a que acompanha á palavra escritor e por esse guerra civil que marca o tema dos seus últimos livros.

outros livros que lim de esta autora:
castillos de cartón