terça-feira, 23 de dezembro de 2008

de suicídios colectivos

arto paasilinna: delicioso suicidio en grupo. anagrama 2007. traduçom de dulce fernández anguita.

e vam três. e os três similares e os três diferentes e os três deliciosos, como bem titula o autor neste caso. argumento simples, ironia total: um grupo de pessoas combina acabar com as suas vidas colectivamente para fazê-lo com dignidade, poupar gastos e evitar problemas de acabados imperfectos. paasilinna rebenta com esta trama boa parte dos tópicos com os que, quando menos no sur, associamos o seu país: os nórdicos som estremadamente respectuosos com as normas e a urbanidade, e os fineses tenhem o recorde mundial de suicídios porque vai pouco sol, muito frio, muito álcool e muita soidade. o melhor é que o romancista nom nega esta realidade, todo o contrário, sublima-a de tal maneira que acaba por levá-la ao absurdo.
mas o absurdo nom traz consigo desrespeito ou desprezo. todo o contrário. aquilo que mais me agrada na prosa de paasilinna é que acompanha toda a retranca que dispara em cada frase com toneladas de tenrura. e como umha vai sempre com a outra, a tenrura nom devém em cursilada.
neste romance, a protagonista principal é a morte, a morte desejada: nesta vida o que mais importa é a morte, e tam-pouco é que seja para tanto, cita no começo. e disso trata a obra, de demostrar que desmitificando a morte, engrandecemos a vida.
o grupo de suicidas, encabezados por um militar [muito gosta paasilinna dos militares], logra desfrutar da vida só no momento em que lhe pom praço de finalizaçom a esta. como total vam morrer, podem esquecer todo e dedicar-se a gozar o tempo que lhes resta neste mundo. e assim, o que começou sendo a búsqueda do melhor lugar para bem-morrer acaba por converter-se numha road-movie do prazer.
a diferência deste romance com o moinheiro ouveador é o regosto final. se naquele caso era agridoce, neste é afável: confiemos na bondade do ser humano ou de como a fraternidade ainda é possível.

festina lente

marcos s. calveiro: festina lente. ed. xerais. vigo 2007.

correndo amodo ou apurando devagar. assim deve ser lido este romance. porque onde a trama anima a seguir e nom parar, o léxico encoraja e leva ao dicionário, se umha tem por costume acompanhar-se dele na leitura [nom é o meu caso]. eu lim-no às pressas porque havia encontro com o autor e deixei-me de consultas lexicográficas e tirei para diante e conseguim embeber-me do galego antigo, complexo, latinizado que ressumavam os parágrafos do livro.
porque um dos logros do romance, ao meu ver, é esse de acompassar o estilo da escritura à época em que situa a história: os séculos XV e XVI. cuidado: nom afirmo que esse fosse o galego da época, que quem sabe, mas que o estilo fica o suficientemente afastado da língua actual como para conseguir um efecto de estranhamento no leitor que ajuda a colocar-se no passado.
festina lente conta a história de um artesám compostelám, ambrósio cavaleiro, encadernador, que vive fechado no seu pequeno obradoiro da rua d'almada alheio a todo quanto nom seja o maravilhoso mundo dos livros. um quixote louco sem vontade para sair ao mundo a defender doncelas em perigo ou vassalos maltratados.
outro dos interesses do romance está na época que retrata: essa compostela pre-barroca, séculos escuros que nem o fórom tanto. reclama o autor, revivendo-a, umha parte da história galega nom por desconhecida e ignorada menos interessante. essa em que a galiza nom chegava ao mundo através de madri mas através dos seus mares. e o mundo à galiza. por certo, no blogue do livro, há posts que ajudam a situar a trama histórica e geográficamente.
a tacha para mim nom é a que ponhem outras, sendo esse um debate proveitoso, mas que nom encontro bem reflectido o processo de isolamento e crescente misantropia do protagonista. durante o romance vemos como chega a compostela de neno quase adolescente e como acaba morrendo, anos e anos depois. porém, o facto de que acabe só e abandonando-se do mundo no seu obradoiro nom acaba de ser bem percebido. nom sei se será causada esta impressom por ter sido o texto resultado da reduçom de um outro mais estenso, mas a sensaçom eis a está.
o melhor: ver a fala dos canteiros convertida em mistério a resolver, em manuscrito envelenado, como aquele do nome da rosa.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

achegando-me a ítaca

rosemary sutclifft: las aventuras de ulises. edelvives. madrid 1998.

o mundo está cheio e obras literárias, reborda livros e propostas de leituras, e porvezes temos que admitir des-leituras nunca feitas porque nom quadrárom, porque nom interessárom, por nom ter havido tempo, por nom ter querido.
um dos campos que eu tenho abandonado quase na sua totalidade é o dos clássicos greco-latinos. por isso, quando no clube de leitura do licéu nos propugérom como tema de conversa ulisses e as suas aventuras, houvem de admitir que nunca lera a odisséia.
como é um livro denso que nom pode ser lido no meio de avaliaçons e trabalhos, optei por achegar-me ao tema através das tam deostadas [quando menos por mim em mais de umha ocasiom] adaptaçons juvenís.
lim umha versom breve mas cuidada, tanto na elecçom das ilustraçons como no estilo linguístico escolhido, que procurava manter o tom classicista. e cumpriu seu rol a adaptaçom, pois a decisom tomada trás dar cabo da leitura foi a de entrar-lhe à obra original quando chegue o verám com a sua calma.
das sessons que figémos comentado as obras relacionadas com ulisses e a sua ítaca fiquei com umhas ideias interessantes que dérom que falar e discutir ao grupo:
  • o rol sexista da sociedade representado por penélope, a sua longa espera e fidelidade e a suspeita ciumenta de ulisses.
  • a valorizaçom da inteligência perante a força física: ulisses é ajudado pola deusa da sabiduria e vence, com astúcia, a seres imponentemente mais vigorosos que ele.
  • a importância do controlo das emoçons, sobretodo da ira -saber ponderar quando, onde, cara a quem e em que grau deve ser usada-, umha das aprendizagens que faz ulisses e que pretende aprender ao seu tempo a telémaco.
  • o contraste entre a ítaca de ulisses e a de kavafis: a viagem marcada pola própria atitude da pessoa que viaja, com monstros que nom som outra cousa que monstros interiores, e maravilhas que só podem ser encontradas se um tem disposiçom para saír ao mundo.
enfim, que sim, que vou ler a odisseia o próximo verám, se nom antes. e resta-me para o nadal, umha encarga: esta.

e de despedida a ítaca que nom pudemos escuitar por falta de tempo:




quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

namorados desertores

mario regueira: tanxerina. espiral maior. a corunha 2006.

as palmeiras oscilam como o sono ao que renunciamos. e no brilho dos olhos mentimo-nos amizade e exílio.

o grupo duns amigos, dezapal, tem umha cançom que musica um poema de álvaro cunqueiro. umha cançom que soa como os poemas de mario regueira em tangerina. quando menos para mim.
comecei a lê-lo e resultava-me familiar, lenemente familiar, mas por quê? polas lonas da jaima do cunqueiro, essas que cheiram a menta. e seguim lendo e dei em pensar. porque a segunda parte do poemário leva por nome rick's café, numha clara referência ao filme casablanca. eu nom lembro, confeso, um visionado consciente dessa película, só algum retalho de quando nena. eis a reviravolta da leitura: a mim evoca-me um texto e umha música que o autor nom declara conhecer e aquilo que ele reclama eu desconheço...
e mais cousas evocam a leitura: aquela visita a gorée e à porta sem retorno onde um homem enorme fazia o esforço de cruzar a pontelha e falar-nos dos seus mortos, aqueles soldados pretos, indígenas diziam-lhes, que luitavam por brancas causas e coloniais, a kabília e as suas ressistências, e todo adubado no azul da pele tuaregue. provavelmente de nada disso queria escrever o poeta, mas é o que eu lim.
se no poema de cunqueiro alguém canta umha cançom do norte, aqui o poeta escreve umha crónica do sul, a crónica do sonho renunciado, a crónica dos que perdêrom umha guerra. e ainda que envolta no exotismo do deserto, os minaretes, os xamans e as cerimónias do chá, nada há mais achegado e menos afastado que o desejo de passar umha pontinha e visitar aos próprios mortos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008