sexta-feira, 13 de março de 2009

o jardim dourado

gustavo martín garzo: el jardín dorado. random house mondadori/lumen. barcelona 2008.

as pessoas não podem viver com a verdade, mas também não podem viver sem ela. de afastarem-na da sua beira, gela-se-lhes o coração; de achegarem-na de mais, enchem-se de lapas. para isso existem as histórias, os contos: para termos a verdade perto e oculta a um tempo.

Numa recente postagem, falando do labor poético, o mário dos escravos usou uma imagem da que gostei muito: a poesia é como um peixe que atrapas que elevas que escorrega que foge mas que deixa nas mãos o cheiro a mar o saibo a salitre. igualinho que este livro. impossível explicá-lo, debulhá-lo, fazer umha resenha dele que revele o seu segredo, porque este desvela-se sem ser desvelado, acovilha-se mostrando-nos o esconderijo: literatura com maiúsculas.

o argumento ao que recorre martín garzo é simples: ariadne conta a outra versão, a sua, de todo o acontecido com o seu irmão e o famoso labirinto. através da narração, da arte de contar, desenguedelha os fios e vai dando forma ao embrulho que vém sendo a outra face do mito, da lenda. nesta outra face o monstro é um triste menino-touro, de nome bruno, que chega a um mundo cujos habitantes não estão preparados para tratar com o diferente. o labirinto é o resultado do ilimitado amor paterno, que quer proteger a sua descendência das dores do mundo. e a palavra é simplesmente a única arma das pessoas para manter-se firmes perante a morte, para suportar os seus envides.

o delicioso do romance é a transformação de ariadne numa sherezade sem sultão. conta e conta e conta, repete-se e repete-se, vai de digresão em digresão, mas nunca perde o fio do novelo e com ele nos mantém atrapadas na leitura. essa voz tem tal capacidade de fascinação que chega a ser perigosa: faz que abandonemos as naves e prefiramos ser apresadas na sua ilha fabuladora. uma personagem, nómada, faz o contraponto da contadora: é só palavra, só cabeça (está mutilado e não tem corpo), e adica-se a percorrer as ilhas todas, as terras incógnitas ,na procura de histórias que fabular e vender. ele foi que inventou o mito, ele é o enganador de palavras. ele escuita tudo quanto bruno, ariadne, sombra, eco e alma tenham que contar, para poder seguir o roteiro da fábula, para continuar vivo embora sem corpo. como homero.

centos de cousas poderia destacar da leitura: o aproveitamento e reversão dos mitos greco-latinos, como esse bruno feito sereio que faz as doncelas suplicarem ser atadas para não sucumbir aos seus mugidos, ou essas asas icarianas que percorrem o mediterrâneo de porto em porto; ou, de volta a mitos modernos, esse frankenstein anacrónico que é artífice, tentando uma vez e outra reproduzir a vida nos seus bonecos autómatas... gosto da ideia do jardim com ponte entre o mundo dos vivos e o dos mortos, o mundo dos sonhos e o dos despertos, com esses ovos que sombra, irmã de ariadne e bruno, traz dos sonhos para criar gansos etéreos...

insisto, literatura com maiúsculas, bem difícil de explicar.

p.d.: e a casualidade faz que lera simultaneamente, sem sabê-lo previamente, quer dizer sem intenção, duas obras contemporâneas que pretendem um re-visão do mito do labirinto. cruzamentos que enriquecem o caldo da leitura!


quinta-feira, 12 de março de 2009

a sombra caçadora

suso de toro: a sombra cazadora. edicions xerais. vigo 1994.

A obra tem quinze anos e está feita toda uma adolescente. mas não avelhenta. tem um bom ler. isso já é uma avantagem.
a dor é que nom perde actualidade tam-pouco. é dor porque reflicte uma contemporaneidade dura. dura sobre todo com a infância. mas vaiamos por partes...

a sombra caçadora, de suso de toro, narra a história de duas persoas: clara e o menino sem nome. são irmãos e vivem com o pãe num casarão que eu imaginei desses indianos da marinha luguesa. não podem sair das suas terras e levam uma vida austera, quase de subsistência, isolados do mundo exterior. mas uma amiaça planeia sobre a família, os acontecimentos sucedem-se e os irmãos vem-se, de súbito, órfãos, sozinhos e perdidos no mundo exterior, um mundo tecnológico dominado pola imagem e os ecrans televisivos. a voz do grão irmão ecoa por toda a parte. como em todos os grandes filmes com heróis e mitos, clara e no menino sem nome são em realidade os elegidos, os destinados para acabar com uma maldição.

o texto mistura de maneira efectiva os mitos grecolatinos (grande importância simbólica têm o minotauro, ariadne e o seu labirinto) com referências da música popular moderna e da literatura e o cinema de ciência-ficção (ppara mim são evidentes as relações com o 1984 de george orwell e com o poltergeist de tobe hooper). o nome do menino sem nome, só sabido no fim, é essencial para percebermos todas estas referências.
nas técnicas narrativas ou na construção das personagens, algum erro: por exemplo, renge muito a incrível capacidade lingüística das vozes narradoras, quando elas mesmas contam que vivêrom isoladas do mundo e sem contacto com outra pessoa que nom fosse seu pãe. e quando se incorporam a esse mundo afastado e alheio, porvezes evidenciam a sua inadaptação e imcomprensão, mas por outras semelha esquecer o autor que são recém-chegadas.

o melhor: a reflexão provocada. impressiona imaginar essa bandada de meninos vadios abandonados por uns pães e mães abandonados eles mesmos ao poder magnético do televisor, do écram, seja do tipo que for. algumas que andamos no mundo da educação não podemos evitar pensar em casos que conhecemos...

segunda-feira, 9 de março de 2009

feminismo para... adolescentes?

gemma lienas: el diario violeta de carlota. el aleph editores. barcelona 2007.

não suporto a literatura com moralina; essa literatura para adolescentes politicamente correcta, na que tudo é cor-de-verde, porque se o colocas rosa podes ofender mulheres, se azul homens... mas esta não é uma obra politicamente correcta. não. é uma obra abertamente beligerante, o qual considero diferente. há uma tese inicial que a autora defende sem reviravoltas nem engados: ainda é necessário o feminismo.
carlota é uma adolescente à que uma das avós oferece como presente de aniversário um diário. um diário nestes tempos de messengers e internetes! e por cima cor-de-rosa!! a outra avó, para compensar a raiva, oferece outro presente mais interessante: uns óculos lilás. metaforicamente lilás. propõe a carlota que observe a realidade desde uns lentes feministas e comprove se a desigualdade de gênero existe ou já foi superada. carlota coloca os óculos e descobre a subtilidade do sexismo e a discriminação.
no entorno de carlota concentra a autora contextos variados e, portanto, formas diversas de discriminação. através de família, vizinhança, amizades, escola... achega-nos anedotas e situações quotidiana nas que carlota logra arrincar a carauta ao sexismo, para mostrar-nos a sua verdadeira face. ademais, através da avó progre/guia vai fazendo um achegamento singelo -que não simples- á terminologia básica do feminismo.
encontro alguma cousa que chia no texto, como por exemplo as cartas escritas por meninas doutras partes do mundo, que resultam artificiais; ou a concentração anedotária: tudo acontece em pouco tempo e num espaço reduzido, como se os valores sexistas se tivessem aliado para acosar carlota. mas estes defectos são compensados pola fluidez da leitura e a filosofia que trasmite.
enfim, um texto divulgativo dirigido a persoas adolescentes: porque muitas delas acreditam que a igualdade já foi conquistada, que as feministas o são por feias, que o da linguagem sexista é cousa de tiquis-miquis, que já foram superados os tópicos sobre o beleza e inteligência, que a luita feminista e só cousa das mulheres, que... e por suposto desconhecem termos como alienação ou patriarcado, e pensam que feminismo é o contrário do machismo, e ignoram o que acontece noutros lugares do mundo, e...

...só as persoas adolescentes?