quarta-feira, 6 de maio de 2009

o pouso que nos precede

dores tembrás: o pouso do fume. espiral maior. a corunha 2009.

desde então / o coração / coma o marmelo / balorecido.

nom sabia de dores tembrás. mas resulta que temos uma amiga comum e falou-me dela. e o outro dia vim o seu livro e merquei-no. e hoje colhim-no do lote dos não-lidos (o lote cresce a cada dia e exponencialmente, bem vedes que leio pouco nestes tempos de abúlia primaveral); enfim, colhim-no por botar-lhe um olho e enredei como em silveira invasora.
porque este é o livro de antes do meu, o pouso que permite que eu escreva o que escrevo. é o livro de quem tem um passado, de quem relembra a neinice para poder deixá-la atrás e construir um futuro.
nunca acreditei em gerações ou quando menos em pertencer a algumha. mas quando leio textos como o do pouso acredito um pouco, um pouquichinho, porque vejo que há toda umha geração, amplo conceito, que está a ser a testemunha da morte, do funeral, do enterramento de todo um sistema cultural e que exerce disso, de testemunha da apocalipse: porque se carlos negro faz o requiem em cultivos transgênicos do rural e os seus valores, ubi sunt, neste pouso de fume, dores resgata a sua infancia para lhe celebrar um cerimonial de despedida.
mas a morte vai parelha à vida, são as duas face e envés da mesma moeda. só do soterrado, do estercado, nasce rebento de nova vida: e esse pouso de lareira afumada é o basamento em que pode fazer firme esta geração para não se sentir perdida:

pequena orfa
afeita à friagem
ortiga-me
cubre-me de cinsa
que saberei corresponder-te.

surpreendeu-me encontrar motivos comuns entre o que escreveu dores e aquilo que tenho escrito (a casa velha, a couça, as estrugas, os sinais dos antergos) e também com aquilo que ando a escrever (a costura, as lavandeiras, o sino das mulheres). e como petisco dum livro mui recomendável, um fragmento que bem poderia ser para o meu avó:

na casa natal
água e couça

acompanhavam a tarefa
de debulhar as horas
a ritmo de gharlopa
as falcas

deixavam-se fazer.

2 comentários:

Dores Tembrás disse...

Probabelmente non poderei agradecer as túas palabras como se merecen, pero o que si podo é facerte cómplice da emoción que sentín onte ao atoparme por sorpresa esta entrada no teu blog. Penso que és a primeira descoñecida (ainda que intúo que amiga compartimos) que fala do meu libro, e que o fai así, case coma se me coñecera: perforando tan ben a infancia a medio amortalhar, o recoñecimento a unha xenealoxía case extinguida, o recendo do marmelo sanador que me sustenta. E sabes? O que máis agradezo é a verbalización dese posíbel encontro xeracional porque, dende hai moi pouco, eu tamén ando a pensar nel.
Só puiden ler dous poemas teus, e claro que me identifiquei de inmediato co que escrebes. Estou desexando ler o teu libro.E como non quero que este comentario sexa infindo debo parar,pero espero que poidamos continuar falando/escrebendo ben pronto.
beixos

dores tembrás

farangulha disse...

pois que bem, porque em realidade esta é uma resenha nada reflexionada, nada repousada: assim o escrevim em quanto fechei o livro. e quando escrevem assim, de arroutada, é bem fácil meter a pata. um alívio não tê-lo feito...